O epicurismo é uma escola filosófica do período helenista, fundada no séc. iv a.C. por Epicuro de Samos (341-270 a.C.). Apesar de Epicuro ter escrito mais de 300 obras, sobreviveram até hoje apenas algumas cartas e fragmentos. O seu seguidor mais influente foi Lucrécio Caro (séc. i a.C), autor da exposição mais completa do epicurismo em forma de poema, De Rerum Natura.
Tal como a maioria das escolas helenistas, o epicurismo tem um forte pendor prático e ascético e apresenta-se como uma terapia da alma. Epicuro defendia que o bem máximo da vida humana é o prazer (hēdonē) e que a felicidade consiste na ataraxia, i.e., na tranquilidade da alma ou, literalmente, na “ausência de perturbações”. Apesar de o epicurismo ser uma das primeiras teorias hedonistas da história da filosofia ocidental, distingue-se de formas de hedonismo mais populares por duas razões principais. Em primeiro lugar, por considerar que o limite do prazer (o prazer máximo que se pode obter) é a ausência de dor no corpo e na alma, estado a partir do qual o prazer poderá variar mas não aumentar. Em segundo lugar, por privilegiar os prazeres da alma e aconselhar uma perseguição moderada, racional e prudente dos prazeres do corpo, não porque o prazer seja um mal, mas por causa das consequências nefastas que poderão advir da sua perseguição desenfreada. Classifica os desejos em três categorias – desejos naturais necessários, desejos naturais não necessários e desejos não naturais – e aconselha a satisfação apenas dos primeiros numa vida simples e frugal, defendendo que tudo o que é necessário é fácil de obter e que o que não o é não tem importância para a felicidade. Desvaloriza as dores físicas, por serem breves ou ligeiras, e dedica uma particular atenção à eliminação do medo (sobretudo dos deuses e da morte), principal obstáculo ao alcance de uma vida feliz.
Materialista e atomista, Epicuro lutou contra a superstição religiosa e defendeu que “a morte nada é para nós” (Máximas Capitais, II), uma vez que dissolvida a possibilidade de sensação já nada nos poderá afetar. Por serem fontes de perturbação da alma, Epicuro desaconselha o casamento e recomenda um afastamento da vida política. Entre os principais valores do epicurismo, está, porém, o da amizade, ainda que esta seja reduzida a um princípio de utilidade: ter amigos é importante porque os amigos são uma garantia de proteção perante possíveis males futuros e porque constituem uma das maiores fontes de prazer. Epicuro fundou uma comunidade de amigos e discípulos que partilhavam o mesmo modo de vida, que se tornou conhecida como O Jardim, razão pela qual o epicurismo é por vezes também designado “filosofia do jardim”.
Muito popular durante o período helenista, o epicurismo começou a perder influência nos primeiros séculos da era cristã e definitivamente com o cristianismo, ainda que posteriormente tenha havido esforços para conciliar as duas doutrinas, nomeadamente por Pierre Gassendi (1592-1655) e, mais recentemente, pelo pastor batista John Piper (1946-), que cunhou o termo “hedonismo cristão”. A partir do Iluminismo dá-se um ressurgimento do interesse no epicurismo, que perdura até aos dias de hoje. Entre os autores mais influenciados por Epicuro, contam-se Walter Charleton (1619-1707), Voltaire (1694-1778), Denis Diderot (1713-1784), Jeremy Bentham (1748-1832), Frances Wright (1795-1852), Karl Marx (1818-1883), Jean Marie Guyau (1854-1888) e Michel Onfray (1959-).
Bibliog.: CÍCERO, M. T., On Ends [De Finibus Bonorum et Malorum], trad. RACKHAM, H., Cambridge/London, Harvard University Press, 1931; EPICURO, Cartas, Máximas e Sentenças, trad. BAIÃO, Gabriela, Lisboa, Edições Sílabo, 2009; LAÉRTIOS, D., Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, livro x, Brasília, Editora Universitária de Brasília, 2008; LONG, A. A. e SEDLEY, D. N. (eds.), The Hellenistic Philosophers: Translations of the Principal Sources, with Philosophical Commentary, Cambridge, Cambridge University Press, 1987; LUCRÉCIO, T., Da Natureza das Coisas [De Rerum Natura], trad. CERQUEIRA, Luís Manuel Gaspar, Lisboa, Relógio d’Água, 2015.
Marta Faustino