O pensamento filosófico é, desde a sua origem, um pensamento crítico, destinado a transformar o olhar espontâneo dos seres humanos sobre a realidade num olhar lúcido e informado. No entanto, é nos diálogos de Platão que encontramos o primeiro programa crítico digno desse nome. Através de uma série de interrogatórios, Sócrates procura mostrar que as ideias que estruturam o entendimento comum da realidade são, na verdade, confusas e contraditórias, e apela a uma revisão crítica da sua forma e do seu significado. Vários séculos mais tarde, é um apelo semelhante que preside à revolução filosófica iniciada por Kant, cuja Crítica da Razão Pura (1781) inaugura aquilo a que passou a chamar-se, propriamente, filosofia crítica. Ao longo dos sécs. xvii e xviii, o advento do Iluminismo, impulsionado pelo desenvolvimento das ciências naturais e pela difusão do liberalismo político e económico, conduziu a uma “era do criticismo” (KANT, 1923, 7), apostada em submeter os princípios tradicionais da religião, da ciência e da filosofia a um exame racional. Neste contexto, a primeira das três Críticas de Kant visa determinar a natureza, o valor e os limites do conhecimento racional. Para tal, Kant critica simultaneamente o empirismo de Locke e Hume e o dogmatismo da metafísica tradicional, mostrando, por um lado, que a aparência do mundo exterior é determinada pelas faculdades do entendimento e, por outro, que este é incapaz de conhecer a realidade em si mesma, para lá da sua representação empírica. Esta abordagem crítica seria desenvolvida e ampliada na Crítica da Razão Prática (1788), centrada nos domínios da ética e da moralidade, e na Crítica da Faculdade do Juízo (1790), com vista a uma síntese das abordagens teórica e prática perseguidas nas duas obras anteriores.
A história subsequente da filosofia ocidental corresponde, em grande medida, à história das diferentes respostas ao empreendimento kantiano, das filosofias próximas de Fichte ou Schelling a abordagens críticas alternativas, como a fenomenologia, o existencialismo ou o pós-estruturalismo. O criticismo kantiano está também na base da chamada teoria crítica, um ramo recente da filosofia social e política influenciado pelo pensamento marxista, que visa denunciar as relações de poder e os pressupostos ideológicos que condicionam as sociedades modernas.
Bibliog.: DE BOER, Karin e SONDEREGGER, Ruth (coord.), Conceptions of Critique in Modern and Contemporary Philosophy, Basingstoke, Palgrave Macmillan, 2011; KANT, Immanuel, Kritik der reinen Vernunft, Berlin/Boston, De Gruyter, 1923; LONGUENESSE, Béatrice e GARBER, Daniel (coord.), Kant and the Early Moderns, Princeton, NJ, Princeton University Press, 2008.
Bernardo Ferro