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Agostinianismo

O conteúdo conceptual do termo “agostinianismo”, ou “agostinismo”, é em si mesmo objeto de dissensão entre os especialistas. Um estado da arte e uma descrição detalhada sobre os elementos de história intelectual e de contexto teológico e filosófico envolvidos nesta discussão pode ler-se em Creating Augustine: Interpreting Augustine and Augustinianism in the Later Middle Ages, de Erik Saak (2012). Dissensões à parte, é consensual entre os académicos reconhecer a enorme influência do pensamento e das obras de S.to Agostinho nos destinos da filosofia e da teologia ocidentais. Como afirma Jordan (1998, 692), “the influence of Augustine on Western philosophy is exceeded in duration, extent and variety only by that of Plato and Aristotle”. Por sua vez, Saak faz notar que Agostinho “remains a partner in dialogue with theologians, philosophers, and literary theorists” e reconhece a enorme importância das suas teorias “in the cultural transformations of Europe from being medieval to becoming early modern” (SAAK, 2012, 2). Aqui consideramos o termo “agostinianismo” a partir das principais características do pensamento de Agostinho que influenciaram os domínios da espiritualidade e da mística no ocidente. Clarck (1999) identifica três aspetos relevantes para compreender o conceito de espiritualidade de Agostinho: i) o ponto de vista da interioridade e a ideia da mente humana como “imagem de Deus”; ii) a dimensão comunitária, que supõe o redirecionamento da vida do espírito e da união mística para a construção da Cidade de Deus que caminha no tempo visando a eternidade. A partir desta perspetiva, o ideal de vida espiritual agostiniano concretiza-se no duplo mandamento do amor, a Deus e ao próximo por Deus; iii) finalmente, o domínio institucional que realiza os dois primeiros aspetos pela mediação da ecclesia. Como sublinha Clarck, Agostinho projeta a vida da ecclesia numa dimensão escatológica, não a identificando com nenhuma expressão eclesial historicamente situada. Todavia, considera a condição temporal da Igreja, nas suas estruturas e instituições, um sinal visível da futura vida na Jerusalém Celeste. Na tradição ocidental, estes três domínios da vida humana – pessoal, comunitário e institucional – caracterizam o agostinianismo no que se refere à vida espiritual, cujo termo é a união com Deus ou a vida mística. Embora na literatura de especialidade se verifique também uma discussão sobre se é possível falar de uma mística agostiniana, o contacto com os textos de Agostinho relacionados com este tópico revela a existência de um projeto de vida mística centralizada na união com Cristo, vivida no tempo e prolongada na eternidade. A vida espiritual tem como fim final, portanto, em Agostinho, uma real união com Deus, que abrange todas as dimensões da vida humana, intelectual, afetiva e corpórea. Meconi (2013) mostra que, para Agostinho, o primeiro objetivo da vida cristã e do regresso salvífico à união com Deus é a deificação do homem, a qual não é possível sem a identificação com Cristo: “The theology of this ‘whole Christ’ allows Augustine to make some very strong statements of identification between Christ and Christian”. A visão inefável de Deus, específica da vida mística e própria da vida dos bem-aventurados, supõe efetivamente, segundo Agostinho, a união com Cristo Deus-Homem, no tempo e na eternidade. Como mostra Meconi (2013), embora nem sempre a dimensão cristológica da via mística tenha sido valorizada pelos estudiosos dentro do agostinianismo, as características antes mencionadas identificaram o agostinianismo na tradição filosófica e teológica ocidental, no que se refere à conceção de espiritualidade e de vida mística.

 

Bibliog.: CLARCK, Mary, “Spirituality”, in FIZGERALD, Allan (ed.), Augustine Through the Ages. An Encyclopedia, Grand Rapids-MI, William B. Eerdmans, 1999, pp. 813-816; JORDAN, Marck, “Augustinianism”, in CRAIG, Edward (ed.), The Routldge Encyclopedia of Philosophy, vol. i, 1998, London-New York, Routldge, 1998, pp. 692-697; MECONI, David Vicent, The One Christ. St. Augustine’s Theology of Deification, Washington-DC, The Catholic University of America Press, 2013; OLIVEIRA E SILVA, Paula, “Visio dei ineffabilis. La vision de Dieu comme expérience de communion chez saint Augustin”, in MUSCO, Alessandro et al. (eds.), Universalità della Ragione. Pluralità delle Filosofie nel Medioevo, vol. ii.1, Palermo, Oficina di Studi Medievali, 2012, pp. 19-28; SAAK, Erik Leland, Creating Augustine: Interpreting Augustine and Augustinianism in the Later Middle Ages, Oxford, Oxfrod University Press, 2012.

 

Paula Oliveira e Silva

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