O filósofo e teólogo inglês John Wyclif (c. 1330-1384) é, por vezes, erroneamente associado à Reforma Protestante. Foi mestre do Balliol College de Oxford, desde 1360, e entrou ao serviço do duque de Lancaster, John of Gaunt, em 1376. Teve problemas com a Santa Sé, por afirmar vigorosamente o direito régio a intervir nos assuntos da Igreja, sendo condenado pelo Papa Gregório IX, em 1377, e expulso de Oxford, em 1381.
As suas principais obras são a Summa de Ente, composta por vários tratados de filosofia e teologia, e a Summa Theologiae, que inclui os tratados mais polémicos de carácter político e eclesiológico. São igualmente da sua autoria importantes comentários à Bíblia (Postillae), um conjunto de sermões e o Trialogus, uma introdução ao seu pensamento teológico. Os seus trabalhos carecem ainda de boas edições críticas, e algum deles, como as Postillae, permanecem inéditos.
O pensamento de Wyclif lida com a questão de como a mente humana explica a realidade circundante, dentro do dilema entre proposição/significação/conceito/existência que se prolongou entre os sécs. xii e xv. Para o autor, toda a existência é uma proposição em si mesma e, como tal, significa algum conceito complexo para a mente. A natureza está estruturada exatamente da mesma forma que as proposições formuladas pela mente humana. Segundo Wyclif, há cinco tipos de proposições: mental, vogal, as escritas, as reais e as verdadeiras. As duas últimas referem, respetivamente, as proposições definitórias das realidades existentes de forma individualizada e as que definem características comuns de forma coletiva. Para ele, a relação entre razão e fé articula-se da mesma forma que entre proposições reais e verdadeiras, ou seja, a verdade geral presente em toda a realidade (que Deus é a última causa e está presente em tudo) é percetível pela mente humana em cada uma das proposições (realidades) existentes. Sendo que a verdade pode ser percebida pelos sentidos, deduzida pela lógica, mostrada por iluminação divina ou aceite por fé, todas essas verdades podem ser pensadas pela mente humana porque lhe são, de alguma maneira, “reveladas”. A mente tem, portanto, a capacidade de pensar sobre questões complexas como a Trindade. Deste modo, a fé é incorporada em todo o ato de conhecimento.
O universal é qualquer proposição verdadeira, ou seja, comum a várias realidades, que, segundo Wyclif, tem duas intenções: a primeira é o conceito que a nossa mente extrai de uma realidade existente; a segunda é a comparação desse conceito com conceitos anteriormente formulados pela mente humana. Os universais existem na mente divina enquanto objetos e, ao mesmo tempo, existem na essência das coisas, relacionando assim o mundo real com o mundo divino. É este o motivo pelo qual Wyclif é considerado um “realista” puro, ou mesmo “ultrarrealista”.
Devido aos problemas que teve com a Igreja Católica e à sua pena, o autor teve uma influência maior no âmbito protestante, tendo-se recuperado o seu valor como teólogo no âmbito católico apenas no séc. xx.
Obras de John Wyclif: Summa de Ente (s.d.); Summa Theologiae (s.d.); Postillae (s.d.); Trialogus (s.d.).
Bibliog.: BROCCHIERI, Mariateresa Fumagalli Beonio e SIMONETTA, Stefano (eds.), Wyclif: Logica, Teologia, Politica, Firenze, SISMEL-Edizioni del Galluzzo, 2003; CATTO, Jeremy I., “Wyclif and Wycliffism in Oxford, 1356-1430”, in CATTO, Jeremy I. e EVANS, Ralph (eds.), The History of the University of Oxford, vol. 2, Oxford, Clarendon, 1992, pp. 175-261; CONTI, Alessandro D., “Logica intensionale e metafisica dell’essenza in John Wyclif”, Bullettino dell’Istituto Storico Italiano per il Medioevo e Archivio Muratoriano, vol. 99, n.º 1, 1993, pp. 159-219; LAHEY, Stephen E., John Wyclif, Oxford, Oxford University Press, 2008; LEVY, Ian Christopher (ed.), A Companion to John Wyclif Late Medieval Theologian, Leiden, Brill, 2006; WYCLIF, John, De Civili Dominio, ed. Reginald Lane Poole e Johann Loserth, 4 vols., London, Wyclif Society, 1885-1904; Id., De Trinitate, ed. A. du Ponto Breck, Boulder, University of Colorado Press, 1962; Id., Tractatus de Universalibus, ed. Paul Vincent Spade e Anthony Kenny, Oxford, Clarendon Press, 1985.
Francisco José Díaz Marcilla