A tradição bíblica colocou Nazaré entre os destinos mais importantes nos mapas do cristianismo, ao anunciar que Jesus era de Nazaré. Parte dessa tradição insiste em vincular o nascimento de Jesus a Belém, cidade de David, muito provavelmente em razão das expectativas messiânicas da parte dos proto-cristãos a quem os textos se destinavam. O Evangelho de Lucas (2, 4), por exemplo, diz que José era de Nazaré e que, após o nascimento do menino Jesus numa manjedoura em Belém, a família retornou para Nazaré, “cidade deles” (Lc 2, 39). Os historiadores, todavia, costumam considerar mais plausível a hipótese de que o nascimento de Jesus tenha acontecido em Nazaré, motivo pelo qual é tão frequente, mesmo nos Evangelhos, que ao nome de Jesus se adicione a designação nazareno (Mc 1, 24; 10, 47).
De qualquer modo, não fora pelas histórias que no séc. i circularam em forma oral e escrita a respeito de Jesus, provavelmente nunca teríamos ouvido falar dessa localidade que, nas primeiras décadas da era comum, não passava de uma pequena aldeia cuja população não teria mais do que algumas centenas de pessoas que subsistiam basicamente da agricultura. Apesar da vinculação de Nazaré às origens de Jesus, o próprio texto bíblico nos deixa saber que Nazaré não passava de endereço marginal, ao construir um diálogo entre Filipe e Natanael, no qual, refletindo sobre a possibilidade de seguir Jesus, o hesitante Natanael pergunta: “De Nazaré pode sair alguma coisa boa?” (Jo 1, 46).
Uma informação relevante a respeito de Nazaré (e que pode influenciar significativamente o modo como imaginamos a vida de um carpinteiro dessa região) é que, no começo do séc. i, ficava localizada a apenas quatro ou cinco quilómetros da importante Séforis, a maior cidade da Galileia, onde a arquitetura e todas as instituições urbanas características da presença romana nas províncias estavam à vista de todos. Séforis fora reconstruída em estilo helenístico por Herodes Antipas em 4 d. C. e era a partir dela que se exercia o controlo político e económico sobre a região. Isto quer dizer que, mesmo habitando uma pequena aldeia, uma família de artesãos como a de José possivelmente encontraria numa cidade administrativa tão próxima como Séforis oportunidades para comercializar os seus produtos, oferecer serviços manuais e assegurar a própria subsistência.
A importância política de Séforis foi reduzida quando Antipas mudou a administração da Galileia para a recém-fundada Tiberíades no final da década de 20, o que possivelmente causou impacto no modo de vida dos moradores de Nazaré. Especula-se, aliás, se essa mudança não pode ter alguma relação com o momento em que Jesus decidiu deixar a sua região e família e partir para junto de João Batista, na Judeia. A este respeito, note-se também, nas páginas dos Evangelhos, que, após a prisão de João Batista, Jesus retorna à Galileia; mas, ao que tudo indica, nesse tempo a sua família já havia fixado residência em Cafarnaum.
Bibliog.: CROSSAN, John Dominic, O Jesus histórico: A vida de um camponês judeu do Mediterrâneo, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1994; HORSLEY, Richard A. e SILBERMAN, Neil Asher, A mensagem e o reino: Como Jesus e Paulo deram início a uma revolução e transformaram o Mundo Antigo, São Paulo, Edições Loyola, 2000; HORSLEY, Richard A., Arqueologia, história e sociedade na Galileia: O contexto social de Jesus e dos rabis, São Paulo, Paulus, 2000; Os Evangelhos. Uma tradução, trad., apresentação e notas Marcelo Musa Cavallari, pref. João Angelo Oliva Neto, Cotia-SP/Araçoiaba da Serra-SP, Ateliê Editorial/Mnêma, 2020.
Anderson de Oliveira Lima