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Abrasar

“Abrasar” é um termo muito frequente na experiência religiosa e mística, que analogicamente vem a significar a ação de Deus no interior da pessoa: um fogo que consome e transforma, um fogo que purifica, um fogo que, finalmente, converte tudo em brasas, no mesmo fogo, realizando-se assim ou simbolizando a união do homem com Deus.

 

No contexto bíblico

O vocabulário relacionado com o verbo “abrasar” é muito amplo e significativo, concentrando-se no substantivo que leva a cabo a ação de abrasar, o fogo. A Bíblia, além de sublinhar o valor indispensável do fogo na vida quotidiana do homem (Gn 4, 22; Ex 16, 23; Jr 36, 22), mostra-o como parte indispensável do culto a Deus, dos sacrifícios (da relação do homem com Deus); as vítimas dos sacrifícios deviam ser abrasadas, consumidas totalmente pelo fogo, tendo este sido aceso pelo homem (Gn 8, 20; 22, 6; Ex 40, 29), ou mandado diretamente por Deus (Gn 15, 17; Lv 9, 24; 2Cr 7, 1; Jz 6, 21; 1Rs 18, 23-24; 1Cr 21, 26). Por isso se devia manter sempre aceso o fogo do altar (Lv 6, 9-13), que, além do mais, representa a presença de Deus (como na sarça ardente, Ex 3, 2), um Deus que liberta e purifica (Ex 14, 19.24; Nm 11, 1.3). E que se revela no meio do fogo, como aconteceu a Isaías, Ezequiel e João (Is 6; 4; Ez 1; 4; Ap 1, 14). Mas se, no caso de Isaías, o fogo, a brasa, toca os seus lábios e os purifica, este fogo também pode simbolizar a ira de Deus e a punição, o que também se pode entender como um fogo que nos liberta de todo o mal, e que, portanto, é purificador e libertador (Sl 68, 3; 97, 3; Is 30, 33; 47, 14; Mt 3, 10; 5, 22; 13, 42.50; 18, 8; 25, 41; Jo 15, 6; Ap 19, 20; 20, 10).

O próprio Jesus entende a consumação da sua missão nesta chave: “Vim lançar fogo sobre a terra e que desejo Eu, senão que já estivesse ateado!” (Lc 12, 49). Certamente como um fogo libertador, que consome todo o mal e liberta a humanidade do pecado. Não é estranho que, por isso mesmo, o Espírito emerja sob o simbolismo do fogo (At 2, 3). A ação do Espírito Santo ou do Amor de Deus na pessoa enche-a de fogo que abrasa e transforma.

 

Na experiência mística

A presença do Espírito é um símbolo muito recorrente, geralmente ligado à ação de Deus na pessoa. Por um lado, exprime a experiência humana do amor, e, por outro lado, serve igualmente ao místico para expressar a ação de Deus, da sua graça, do seu Espírito que é fogo e que transforma a pessoa em fogo. Um verbo que exprime nitidamente a realidade do dom gratuito de Deus e da passividade do homem: a pessoa não é fogo, mas é tornada partícipe do fogo. E é na união com o Espírito que ela se transforma em fogo. Ou seja, a virtude é-lhe dada como dom e permanece sempre como algo dado, que não depende de si mesma, mas apenas de Deus.

 

Bibliog.: JOÃO DA CRUZ, Llama de Amor Viva, Burgos, Monte Carmelo, 2005.

 

Francisco Javier Sancho Fermín    

Autor

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