No quinto capítulo da Epístola aos Gálatas, o Apóstolo Paulo, exortando as virtudes da vida espiritual, declara que a alegria é um dos frutos do espírito. Corresponde a um sentimento exultante de satisfação que, sendo estável, não se confunde com o resultado de prazeres hedónicos nem com estados de felicidade efémeros. A alegria surge como um estado da alma, enquanto o bem-estar subjetivo, amplamente estudado pela psicologia positiva, surge em resultado de uma determinada reação da personalidade face a circunstâncias externas e eventos que dependem do controlo voluntário (DIENER et al., 2009). A alegria é, antes, um estado que acompanha o ser (Fromm, 1999), e por isso tem sido destacada, em diversos sistemas filosóficos e religiosos, como o resultado desejável da prática de uma certa disciplina espiritual (AÏVANHOV, 2006). Aristóteles associava o estado metafísico de eudaimonia ao cultivo de virtudes éticas, para S. Tomás de Aquino era entendida como uma das paixões da alma, em oposição à acedia, que nasce do desespero; Espinoza considerava-a como um afeto primário através do qual a mente passa a um estado de perfeição maior mediante o qual o ser se exprime, e Mestre Eckhart, como o resultado da união da finitude humana com a eternidade do Uno. Na literatura védica, o estado de ananda traduz a alegria última, uma das qualidades essenciais atribuídas ao Ser, para além da consciência (cit) e da existência (sat), que acompanha o fim dos ciclos da reencarnação. No budismo Teravada, o conceito de mudita, ou alegria altruística, define um dos três Brahmaviharas ou qualidades divinas. Por seu lado, no cristianismo, através dos estados de consciência místicos, a alegria última pode ser vivida através de experiências de união com o todo. A psicologia transpessoal, pelo cultivo de experiências espirituais e transcendentais, tem caminhado no sentido de aproximar o entendimento psicológico da alegria, como emoção, da experiência mística de júbilo, através de ferramentas terapêuticas que auxiliam os indivíduos a experienciar bem-estar duradouro, apesar das suas circunstâncias de vida. Neste sentido, e a partir de uma perspetiva expandida do Ser, de modo a ser possível abarcar a sua natureza espiritual, a alegria passa a ser vivida no contexto de um processo interno de maturação do indivíduo em direção a si mesmo e à sua verdade profunda mais essencial, como se de uma verdadeira iniciação se tratasse, fazendo confluir os caminhos da matéria e do espírito dentro de cada um.
Bibliog.: AÏVANHOV, O.M., Nas Fontes Inalteráveis da Alegria, Coleção Izvor, Porto, Publicações Maitreya, 2006; BANAVATHY e V.K., CHOUDRY, A., “Understanding Happiness: A Vedantic Perspective”, Psychology Studies, 59, 2014, pp. 141-152; CASIOPPO, D., “The Cultivation of Joy: Practices from the Buddhist tradition, Positive Psychology, and Yogic Philosophy”, The Journal of Positive Psychology, 15, 1, 2020, pp. 67-73; DIENER, E. et al., “Subjective Well-Being: The Science of Happiness and Life Satisfaction”, in SNYDER, C.R. e SHANE, J. Lopez (eds.), Oxford Handbook of Positive Psychology, Oxford, Oxford University Press, 2011, pp 187-194; FROMM, E., Ter ou Ser, Lisboa, Presença, 1999.
Sofia Machado Ferreira