“Benevolência” é de etimologia latina (bene, bem + volentia, vontade = benevolentia) e designa originariamente uma disposição para querer bem, uma boa vontade (boa intenção) ou bondade.
A benevolência, quer na literatura religiosa, quer na reflexão filosófica, consiste invariavelmente num traço de carácter ou modo de ser, isto é, numa virtude que, como tal, não pode ser imposta como obrigatória (contrariamente ao princípio da beneficência), devendo ser estimulada através do exemplo e cultivada através de uma prática continuada.
No plano religioso, a “benevolência” começa por se destacar na espiritualidade oriental, bem sistematizada pelo segundo sábio confucionista, Mêncio (403-222 a.C.), que a considera uma das quatro virtudes principais (retidão, urbanidade e sabedoria), apresentando-a como um sentimento de cuidado (e preocupação) pelo bem-estar dos outros, de compaixão pelo seu sofrimento, numa extensão do respeito e amor que se vive primeiro em família; apresenta-a também como um ato de conhecimento e reconhecimento dos outros e uma orientação para um agir em conformidade. No cristianismo, a benevolência exprime o espírito do Novo Testamento na instauração da lei do amor para além da estrita obediência à lei do Antigo Testamento (a da justiça como retribuição proporcional). A “benevolência”, de que Jesus é paradigma vivo (e.g. perdoando a Maria Madalena), é uma disposição para fazer o bem em relação aos outros, principalmente os mais necessitados (indicados nas Bem-aventuranças), na expressão do amor fraterno (altruísta, desinteressado) e como ato de caridade, de bondade. Neste contexto, pode também manifestar-se como complacência ou condescendência (indulgência, compaixão). A benevolência de cada um para com os outros, reforçada pelo Espírito Santo, procura seguir a benevolência de Deus para com a humanidade.
Numa perspetiva filosófica, a “benevolência” merece destaque em autores como Tomás de Aquino (1225-1274) e Leibniz (1646-1716), que, sob uma inspiração aristotélica, distinguem entre o amor de benevolência, visando a felicidade do outro, e o amor de concupiscência, procurando a satisfação do próprio. Mais tarde, o filósofo inglês Francis Hutcheson (1664-1746) tematizou desenvolvidamente a “benevolência”, inscrevendo-a na sua tradição reflexiva ao enunciá-la como virtude; contrariando os pensadores mais próximos ao associá-la ao desejo; e, assim, encetando uma interpretação psicológica ainda hoje pertinente. Para Hutcheson (em linha com Shaftesbury e Butler, na crítica ao egoísmo e ao hedonismo) a benevolência é sinónimo de virtude, um desejo ou paixão serena que impulsiona (disposição imediata) a agir bem para com os outros, sendo constituinte natural (intrínseco à psicologia humana) de todos os indivíduos (universal) e contribuindo para a felicidade dos outros.
A questão principal relativa à “benevolência” que se mantém é a da sua relação com o desejo, sendo o seu traço constante identitário o de querer o bem dos outros.
Bibliog.: impressa: AQUINO, Tomás, Somme Théologique, t. 1-4, Paris, Les Éditions du Cerf, 1984-1996; HUTCHESON, Francis, An Inquiry Concerning the Original of Our Ideas of Virtue or Moral Good, 1725, Selections reprinted in SELBY-BIGGE, L.A. (ed), British Moralists, Indianapolis, Bobbs-Merrill, 1964, pp. 69-177; HWANG, Kwang-Kuo, Culture-Inclusive Theories: An Epistemological Strategy, Cambridge, Cambridge University Press, 2019; LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm, New Essays on Human Understanding, Edited and translated by Remnant and Bennett, Cambridge, Cambridge University Press, 1996; Id., Theodicy, Essays on the Goodness of God, the Freedom of Man and the Origin of Evil, Edited by Farrer, translated by Huggard, London, Routledge and Kegan Paul, 1951 [1710]; RILEY, Patrick, “Justice as love and benevolence”, in Leibniz’s Universal Jurisprudence. Justice as the Charity of the Wise, Harvard, Harvard University Press, 2013, pp. 141-198; ROBERTS, T.A. “Hutcheson on Benevolence”, in The Concept of Benevolence. New Studies in Practical Philosophy, London, Palgrave, 1973; digital: Van NORDEN, Bryan, “Mencius”, in ZALTA, Edward N. (ed), The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Fall 2019 Edition): https://plato.stanford.edu/archives/fall2019/entries/mencius/.
Maria do Céu Patrão Neves