Um evento que podia não acontecer, mas acontece, designa-se por “contingente”. Enquanto o acaso expressa a possibilidade antecedente a um evento afeto de uma certa probabilidade de ocorrência, e a necessidade corresponde à predeterminação de um evento, à contingência associa-se o sentimento inesperado de um evento que ocorreu.
Na filosofia, a contingência relaciona-se com o problema do livre-arbítrio, sendo expressão do espaço que possibilita a capacidade de escolher, independentemente das condições interiores e exteriores que interagem com essa escolha.
Ao nível teológico, a contingência será uma expressão de como Deus criou o universo e os seres conscientes de si mesmos, livres, desafiando a ideia de uma omnisciência que predetermina tudo o que acontece, mas que determina a abertura da criação à surpresa, deixando que sejam os processos e o cruzamento de histórias, por si mesmos, a determinar a realidade.
Ao nível do impacto espiritual, a contingência oferece a potencialidade de os indivíduos influenciarem a sua narrativa, como a dos outros, através das suas escolhas, mas também desafia o ser consciente-de-si a procurar o sentido e significado dos eventos com impacto negativo (geradores de dor, sofrimento ou morte), reconhecendo nisso a finitude que caracteriza o universo criado.
Na visão científica estudada da realidade, a contingência, sobretudo proveniente da mecânica quântica, desafiou o causalismo e a respetiva crença de que todos os eventos no mundo, incluindo os provenientes da ação humana, são causados por eventos ou fatores antecedentes e ligados por diversas cadeias de causa e efeito. Alguns associam o causalismo ao determinismo, diferindo este último do primeiro pela antecipação do conhecimento que determina a causa. Entre o determinismo e o indeterminismo insere-se o contingentismo, como reconhecimento do valor das leis naturais na previsão de alguns eventos, em consonância com a possibilidade da emergência de eventos a partir da relacionalidade de diversos fatores e condições-limite que os orientam.
A contingência recorda que o mundo é incerto e imprevisível, tornando-se uma fonte de ansiedade relativamente ao conhecimento do futuro. Por outro lado, quem acredita num Deus que tudo determina dificilmente consegue conciliar a crença numa visão do mundo aberta à possibilidade contingente. Porém, aqueles que acreditam num Deus como realidade-que-tudo-determina acolhem a contingência como a oferta da liberdade de escolha e o livre-arbítrio como forma evolutiva de os seres manterem o crescimento em complexidade que ocorre desde os primórdios do universo.
Bibliog.: CARSE, James P., Finite and Infinite Games: A Vision of Life as Play and Possibility, New York, Free Press, 1986; CHAITIN, Gregory J., “Randomness in arithmetic”, Scientific American, vol. 259, n.º 1, 1988, pp. 80-85; Id., Meta Math!: The Quest for Omega, New York, Vintage Books, 2005; HAUGHT, John F., God After Darwin. A Theology of Evolution, Boulder, Westview Press, 2000; MONOD, Jacques, Acaso e Necessidade, Mem Martins, Europa-América, 2002; PANNENBERG, Wolfhart, Toward a Theology of Nature: Essays on Science and Faith, Louisville, John Knox Press, 1993; SCHONBORN, Christoph, Chance or Purpose?: Creation, Evolution, and a Rational Faith, San Francisco, Ignatius Press, 2007; VARANDA, Isabel, “Nem acaso, nem necessidade. O jogo como metáfora da Criação”, Didaskalia, vol. xxxvii, 2007, pp. 141-159.
Miguel Panão