A conversão é uma noção decisiva da espiritualidade religiosa e da mística cristã, embora deva ser considerada uma experiência crucial igualmente noutras tradições espirituais, como, e.g., no caso do islamismo sufi. De destacar é o carácter espiritual de algumas formas de conversão filosófica, política, revolucionária ou artística, ainda que desprovidas de uma ligação genética direta a uma tradição religiosa.
No contexto religioso cristão, a noção surge através da palavra latina conversio e das duas diferentes noções gregas de epistrophē (“regresso à origem”) e metanoia (“rutura”, “arrependimento”), ambas já presentes no contexto filosófico. A tradução dos Setenta da Bíblia permitiu absorver no contexto cristão a noção hebraica de teshuvá, que, no judaísmo, implica um movimento de regresso e de arrependimento dos pecados.
A conversão deve ser, portanto, considerada elemento comum de múltiplas experiências espirituais, focadas na ou endereçadas à mudança das formas de vida, quer do ponto de vista dos valores que determinam uma condição existencial, quer no sentido mais propriamente psicológico ou, até, ontológico. Neste sentido, às duas figuras do regresso e de rutura pode ser acrescentada, também, a figura da epiphaneia, i.e., de um momento ou de um encontro marcante, em que se torna manifesta para um indivíduo a necessidade de abandonar um estilo de vida antecedente para abraçar uma maneira de viver ainda inédita.
Particularmente evidente é esta presença no caso da conversão arquetípica de S. Paulo e, de forma mais geral, nas experiências de conversão mística que se verificam em casos exemplares, como o de S. Francisco ou o de S.to Inácio de Loyola. De resto, a partir da tradição poética medieval, a mesma figura de conversão está presente também no contexto da tradição de escrita de amor, em que o encontro com a figura feminina (a Beatriz de Dante ou a Laura de Petrarca) é interpretada, de forma mais ou menos metafórica, como a manifestação de uma transcendência que impõe uma transformação espiritual, acabando com as resistências racionais. Sempre no contexto literário, a tradição autobiográfica, ligada, por um lado, ao arquétipo de S.to Agostinho e, na modernidade, também às Vocationes jesuítas, refere a constante de uma condição imprevista e imprevisível, que separa um antes de um depois biográfico.
A conversão espiritual acaba, por fim, por integrar também a tradição filosófica moderna, especialmente a mais ligada a tradições místicas, como no caso de Simone Weil, onde a rutura existencial é definida pela procura de um “verdadeiro” ser ou de uma mais autêntica relação do indivíduo para consigo. Neste mesmo sentido, podem ser abordadas também a experiência nietzschiana da “revelação” do eterno retorno, bem como a experiência do sentimento oceânico de Romain Rolland, retomada por Pierre Hadot a propósito da investigação deste autor sobre a necessidade de conceber a filosofia como uma maneira de viver.
Bibliog.: BARDY, Gustave, La Conversion au Christianisme durant les Premiers Siècles, Paris, Aubier, 1949; CHALIER, Catherine, Le Désir de Conversion, Paris, Seuil, 2011; DANIÉLOU, Jean, Mensaje Evangélico y Cultura Helenística. Siglos II y III, Madrid, Cristiandad, 2002; Id., Teología del Judeocristianismo, Madrid, Cristiandad, 2004; Id., Los Orígenes del Cristianismo Latino, Madrid, Cristiandad, 2006; FOUCAULT, Michel, A Hermenêutica do Sujeito, São Paulo, Martins Fontes, 2006; HADOT, Pierre, “Conversion”, in HADOT, Pierre, Exercices Spirituels et Philosophie Antique, Paris, Albin Michel, 2002, pp. 223-235.
Gianfranco Ferraro