O termo depressão, do latim depressio, pode ser utilizado para descrever um estado de espírito, uma síndrome ou uma perturbação mental. Segundo Berrios (1988), o conceito atual de depressão data apenas do final do séc. xix, altura em que a psiquiatria se começava a fundar como especialidade médica. Até então, o termo mais comummente usado era “melancolia”, e o seu significado não era sobreponível a “depressão”. Atualmente, para a psiquiatria, as várias perturbações depressivas (e.g., depressiva major, distimia, etc.), anteriormente designadas por “perturbações do humor” (ou “doenças afetivas”), partilham a presença de tristeza, vazio ou humor irritável, que se fazem acompanhar de alterações somáticas (e.g., insónia) e cognitivas (e.g., sentimentos de desvalorização), afetando significativamente o funcionamento do indivíduo, sendo que estas diferem em termos de duração, timing ou etiologia presumida (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013).
A alusão às “doenças afetivas” data da Grécia Antiga, nas primeiras descrições de estados melancólicos, na Ilíada de Homero. Porém, o termo “melancolia” era usado de forma muito abrangente, integrando quase todo o tipo de insanidade (PAYKEL, 2008). Para Galeno, inspirado nas ideias de Hipócrates, o melancólico era triste e moroso, resultado da concentração de bílis negra no organismo. A quantidade de bílis negra implicada na produção da melancolia, e não apenas a sua presença, também foi enfatizada por Aristóteles. Para este último, estava especialmente presente em indivíduos de exceção, como os grandes génios, filósofos, poetas e artistas (e.g., Sócrates e Platão).
Na Idade Média, num rompimento com as ideias médicas, a religião, especialmente o cristianismo, dominou o pensamento sobre a doença mental, e a melancolia passou a ser reconhecida como uma doença da alma (“alguém afastado de Deus”). Contudo, esta conceção esbateu-se com o Renascimento, voltando a ganhar relevo a associação entre a melancolia e a genialidade e uma grande profundidade da alma.
Na Idade Moderna, um dos contributos mais influentes surgiu de um clérigo e académico inglês, Robert Burton, que em 1621 publicou a Anatomia da Melancolia. Esta integrava a preguiça, a negligência e a divagação da mente (acédia), e atraía o Demónio, podendo ser causada não apenas por um desequilíbrio humoral, mas também por causas sociais e morais. Burton recomendava, especialmente às mulheres, uma série de ocupações e tarefas que as retirassem da ociosidade. Durante os sécs. xvi e xvii, este tema também foi alvo de interesse de vários médicos, como Pedro de Mercado (De la Melancolia), Juan Huarte de San Juan (Examen de Ingenios para las Ciencias), Pedro García Carrero (Disputationes Medicae), Andrés Velásquez (Libro de la Melancolia) ou Tomás de Murillo de Velarde, que atribuía às mulheres melancólicas uma imaginação desordenada que gerava falsas visões místicas, que as faziam duvidar da salvação. Os autores espirituais também se dedicaram a este tema, como Francisco de Sales, que escreveu o capítulo “Da tristeza”, na sua Introdução à Vida Devota, e que, no Tratado do Amor de Deus, refletiu sobre os efeitos positivos da tristeza (e.g., penitência). S.ta Teresa de Ávila dedicou um capítulo à melancolia, “Como lidar com as freiras melancólicas, na sua obra As Fundações, sendo o “humor de melancolia” descrito como um achaque psicofísico, com implicações morais, que integrava confusão da imaginação, encerramento em si mesma e tristeza depressiva, sendo as mulheres consideradas de especial fraqueza. Para S.ta Teresa de Ávila, o Demónio podia usar a melancolia para inspirar visões que levariam a pessoa a pecar por orgulho ou perdição.
O impacto da melancolia na prática religiosa e nas visões foi também discutido por diversos pensadores religiosos, como Marco Antonio de Camós, Fr. Juan de los Ángeles ou Juan de Horozco y Covarrubias, que afirmava estarem os melancólicos sujeitos a falsas visões causadas por lesão cerebral e/ou por ilusão demoníaca. Em S. João da Cruz, o pendor melancólico está bem patente no poema Noite Escura. Todavia, ainda que a noite escura fosse marcada por uma experiência dolorosa de vazio e escuridão, pressupunha uma experiência espiritual que libertava a alma de todos os vícios. Também S.ta Joana de Chantal e, mais tarde, Teresa de Lisieux e a madre Teresa de Calcutá passaram por experiências religiosas semelhantes, e já antes S.to Inácio de Loyola, na sua Autobiografia, referia estas fortes variações da alma, donde o desânimo dava lugar a uma ascese espiritual. A este propósito, Carlos Domínguez Morano, na sua obra Experiencia Mística y Psicoanálisis, sublinha isso mesmo já no séc. xx; i.e., nas experiências religiosas, o sentimento de solidão depressiva, que é sempre iluminado pela crença, faz parte de um processo de maturação pessoal e religiosa, de fortalecimento e de enriquecimento da personalidade, contrariamente às experiências pseudomísticas psicóticas, que são caóticas, confusionais e assentes na desrealização e em ideias de grandiosidade.
Retomando a cronologia, com o Iluminismo a busca centrou-se no conhecimento científico, e a melancolia passou a ser objeto da clínica e da classificação médica psiquiátrica (e.g., Pinel e Esquirol). Nesta fase, era entendida como uma fraqueza temperamental, geneticamente determinada. O início do séc. xix é caracterizado pela insatisfação com o termo “melancolia”, tendo sido introduzidos novos termos, como “tristimania”, “lipimania” ou “insanidade afetiva”. Porém, estes conceitos não foram aceites universalmente, e o uso do termo “melancolia” persistiu na Alemanha e no Reino Unido, tendo sido substituído apenas no final do século pelo termo “depressão mental”.
Emil Kraeplin parece ter sido o primeiro a usar o termo “estados depressivos” para incluir vários tipos de melancolia (DAVIDSON, 2006). Assim, no final do séc. xix, início do séc. xx, entre a sexta e a oitava edições do seu tratado de psiquiatria, sugeriu, baseado no modelo médico, os termos “insanidade maníaco-depressiva”, posteriormente “melancolia involutiva” e, de novo, a categoria “maníaco-depressiva”. Já Sigmund Freud e Karl Abraham, e.g., entendiam que a melancolia estava relacionada com a perda simbólica ou real de um objeto amado (origem psicogénica). O conceito atual de depressão data então desta altura, sendo reconhecida e consensual a sua etiologia multifatorial (fatores genéticos e ambientais). Ainda assim, já no séc. xx, Viktor Frankl alertava para o perigo de reduzirmos o ser humano a um produto da interação gene-ambiente, olvidando a autodeterminação. Para este autor, as formas depressivas são produto do vazio existencial, da incapacidade de encontrarmos um sentido para a nossa própria vida.
Mais recentemente, Byung-Chul-Han sugere-nos uma leitura patológica das várias épocas. Segundo Han, a doença representativa do séc. xxi é o cansaço, imperando os verbos positivos “dever” e “poder”, que se traduzem num excesso de comunicação, de estímulos, de produção e de permissividade. Tal favorece a hiperatenção e promove a patologia neuronal, de que é exemplo a depressão, que, para Han, é uma regressão civilizacional, na medida em que constrange a descontração, a atenção profunda e a contemplação. No mesmo sentido, para José Tolentino Mendonça, as doenças dominantes, como a depressão, revelam-nos a nossa vulnerabilidade, e, como tal, o autor sensibiliza-nos para cultivarmos o desejo de vida, a curiosidade pelo outro e pelo que nos envolve, renunciando a um quotidiano, que, por apressado, nos empurra para um ritmo febril, sem pausas. Só assim, adotando uma forma de viver compassiva, autodescentrada e contemplativa, conseguiremos escapar à acédia, à depressão e a um sentido de incompletude.
De facto, a depressão tem inspirado ao longo das épocas inúmeras reflexões por parte de pensadores de diferentes áreas, e, neste sentido, o entendimento que dela fazemos será continuamente alvo de mutação.
Bibliog.: AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders DSM-5, Arlington, APA, 2013; BERRIOS, Germán Elias, “Melancholia and depression during the 19th century: A conceptual history”, British Journal of Psychiatry, n.º 153, 1988, pp. 298-304; CARMELITAS DESCALÇAS DO CONVENTO DE SANTA TERESA DO RIO DE JANEIRO, Obras de Santa Teresa de Jesus. As Fundações, Petrópolis, Editora Vozes, 1939; DAVIDSON, Kenneth, “Historical aspects of mood disorders”, Psychiatry, vol. 5, n.º 4, 2006, pp. 115-118; DOMÍNGUEZ MORANO, Carlos, Experiencia Mística y Psicoanálisis, Madrid, Fe y Secularidad, 1999; FRANKL, Viktor Emil, O Homem em busca de Um Sentido (12.ª ed.), Alfragide, Lua de Papel, 2020; HAN, Byung-Chul, A Sociedade do Cansaço, Lisboa, Relógio d’Água, 2014; MENDONÇA, José Tolentino, Rezar de Olhos Abertos, Lisboa, Quetzal, 2020; PAYKEL, Stern Eugene, “Basic concepts of depression”, Dialogues in Neuroscience, vol. 10, n.º 3, 2008, pp. 279-289; SALES, S. Francisco de, Introdução à Vida Devota, ed. TAVARES, António, Porto, Fundação Voz Portucalense, 2010; SANTA CRUZ, Alonso de, Sobre la Melancolia, Diagnóstico y Curácion de los Afectos Melancólicos (ac. 1569), Pamplona, Ediciones Universidad de Navarra, 2005.
Berta Rodrigues Maia