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Emancipação

Com origem no étimo latino e(x)-manu-capere, i.e., “deixar de ter na mão” ou “abrir mão”, a ideia de emancipação adquire lastro no direito romano sob o signo jurídico da validação do ato de tornar alguém livre, abrindo-lhe a possibilidade de se autodeterminar de acordo com as próprias capacidades e arbítrio.

Por emancipação entende-se, pois, o processo pelo qual um sujeito se apropria de um evento libertador – quer dele tomando posse “para-si-mesmo”, quer interiorizando-o como “próprio-de-si” –, em contraposição a um poder ordenador, direcionante, referencial ou tutelar, enquanto percecionado como prepotente, subjugante, dominante ou coercivo. Nesse sentido, qualquer ato emancipatório tende a corresponder à dúplice expectativa tanto de uma superação (retrospetiva) de “velhas referências em decadência”, como de uma instauração (prospetiva) de “novos valores em ascensão”, independentemente do horizonte histórico-cultural ou do ecossistema jurídico-político e socioeconómico em que as suas narrativas de legitimação se polarizam e projetam. A esse ambivalente desígnio não terá sido alheio o esforço autointerpretativo de uma certa Modernidade de matriz iluminista que concebe a emancipação – desde o kantiano apelo à ousadia de pensar pela própria cabeça até ao repto marxista à evasão de um Estado alienado – como término de uma dependência infantil, i.e., a saída da menoridade (melhor se diria ainda de uma menorização), face a uma autoridade em cuja imagem se projetam representações que mimeticamente se gradualizam, desde a ideia de superioridade paternal até à de supremacia divina, passando pela de soberania política, primazia clerical, preponderância magisterial, patronal, etc.

Por muito, todavia, que a ideia de emancipação encontre a sua expressão conceptual mais densa na história das ideias, no pensamento filosófico (político e social), na sociologia e na teoria social, a sua amplitude semântica não se pode esvair por entre os dedos de um único manuseamento interpretativo. A hodierna emergência de “novas dominações”, de “novas precaridades” e de “novos direitos”, cujo lance emancipatório reivindica a urgência social, económica e política de “novos pactos de confiança” sob o signo de uma ecologia humana integral, i.e., plural, participativa e inclusiva, longe de subestimar ou marginalizar a dimensão religiosa, convoca e compromete a sua irredutível presença. Não faltam, com efeito, na longa tradição da vida consagrada, notáveis exemplos daquela conversão espiritual que opera uma “emancipatória” libertação da “ideia” de Deus, como preludial condição de um livre e liberto abandono à ação d’Ele mesmo.

 

Bibliog.: impressa: ADORNO, Theodor, Educación para la Emancipación [Erziehung zur Mündigkeit: Vorträge und Gespräche mit Hellmut Becker 1959–69], trad. MUÑOZ, J., Madrid, Ediciones Morata, 1998; BARATA, André et al. (org.), Emancipação. O Futuro de Uma Ideia Política, Lisboa, Documenta, 2018; CAILLÉ, Alain et al., “S’émanciper, oui, mais de quoi?”, Revue du MAUSS, n.º 48, 2016/2, pp. 5-28; KANT, Immanuel, “Resposta à pergunta: Que é o Iluminismo? [Was ist Aufklarung?, 1784]”, in A Paz Perpétua e Outros Opúsculos, trad. MORÃO, A., Lisboa, Edições 70, 2008; LACLAU, Ernesto, Emancipation(s), London, Verso, 1996; MARX, Karl, Sobre a Questão Judaica [Zur Judenfrage, 1843], trad. SCHNEIDER, N. et al., São Paulo, Boitempo, 2010; MÜNSTER, Arno, Emancipation (de Marx à Marcuse). Histoire et Actualité d’Un Concept, Paris, L’Harmattan, 2020; RANCIÈRE, Jacques, Le Spectateur Émancipé, Paris, La Fabrique, 2008: digital: JALABERT, “Pour une (re)définition du concept d’émancipation” [publication du Séminaire interdisciplinaire organisé par l’Université de Bologne et l’Université Paris-Diderot, 10 avril 2015], Les Carnets d’EFMR, 13 out. 2015: https://efmr.hypotheses.org/248 (acedido a 19.02.21).

 

António Amaral

 

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