Entender é a capacidade de pensar e compreender, expressa pelo acordo do que a linguagem diz ao objeto do discurso. Quando nos referimos ao entendimento, temos implícitas as sensações, as perceções e a razão/inteligência, bem como tudo aquilo em que se crê e que não se obtém pelo processo dedutivo racional, onde cabem os assuntos da estética e da religião.
A partir da Modernidade acentua-se o afastamento da razão e da fé, gerando um movimento de sentido inverso ao até então dominante, uma vez que se até aí o dogma teológico se sobrepunha aos dados da razão, tornando esta cativa da fé, com a exaltação da razão relega-se para o campo da subjetividade tudo aquilo que se refira a outros tipos de conhecer, prontificando aí o conhecimento religioso ancorado na crença e o discurso estético suportado nas sensações. Para a solidez da nova via que se tornou dominante contribuíram diversas e opostas abordagens, racionalistas, empiristas, idealistas, criticistas, plasmadas, entre outras, nas investigações dos seguintes pensadores: Descartes (1596-1650), Espinosa (1632-1677), John Locke (1632-1704), Leibniz (1646-1716), George Berkeley (1685-1753), David Hume (1711-1776) e Kant (1724-1804).
No séc. xxi, o conhecimento científico continua a afirmar-se como o único válido, em consequência dos enormes sucessos tecnológicos e da correspondente erosão do saber humanístico. Esta matriz, contudo, tem vindo a ser corrigida com outras variáveis resultantes da investigação de neurocientistas como António Damásio, cuja vasta obra inclui O Erro de Descartes (1995) e Ao encontro de Espinosa (2003), que com o recurso a tecnologia de topo, no que concerne às emoções, confere a especificidade do funcionamento de partes do cérebro que são descritas e integradas no todo do conhecimento, atestando especulações que se opõem ao predomínio da razão no desenvolvimento deste processo. Na verdade, as formas de conhecer são diversas: “o conhecimento científico exerce-se sobre o universal unívoco – do género e da espécie […] o conhecimento metafísico tem como objeto o universal absolutamente universal […] o conhecimento estético visa o particular e o universal no e através do singular”, sendo este último “o mais compreensivo e aquele em que a alma e corpo mais estreita e eficientemente colaboram […] conhecimento de simpatia, de adesão ao real” (cf. ANTUNES, 2005, 34).
A polémica entre fé e razão é vasta, tendo no fideísta Tertuliano (c. 160-c. 220), ainda nos primórdios do cristianismo, uma personagem central, quando coloca em lugares distintos a experiência da fé e da razão, e, seja ou não da sua autoria a consagrada expressão “Creio porque é absurdo”, resume com fidelidade o seu pensamento: o que é do campo do racional é assunto do conhecimento objetivo; pelo contrário, o que é matéria da fé, do mistério, só se alcança pela crença.
O judaísmo dá grande importância ao estudo da Torá e do Talmude, fazendo depender o conhecimento de Deus do entendimento dos ensinamentos aí fixados, sendo necessário estudá-los para compreender o significado da sua mensagem: “rabi”, em hebraico, significa “mestre” ou “professor”, alguém instruído que orienta aqueles que estudam a Torá.
O hinduísmo alberga múltiplas doutrinas, e para esta temática destacam-se a escola Nyaya, fundada por Aksapada Guama por volta do séc. ii a.C, que assume papel central na evolução da filosofia indiana e na construção de um sistema racional, lógico, analítico e científico, e a escola Vedanta, responsável por uma nova vaga de investigação filosófica e meditativa, tendo influenciado profundamente a filosofia de Schopenhauer.
A religião islâmica, inspirada pelo profeta Maomé, surge na península arábica no séc. vii, dispersando-se de seguida por um vasto império que integra o Egito dos ptolomeus e a Pérsia, onde a ciência se encontrava desenvolvida, passando a ser valorizada no Alcorão, em particular a medicina, que é apresentada como uma destreza próxima de Deus. Atribui importância supletiva à observação e à experimentação, em oposição à especulação lógica, desempenhando um importante papel na história da matemática e da álgebra, tendo traduzido diversas obras para árabe e disponibilizando em finais do séc. ix os escritos de Platão e Aristóteles.
O budismo, que assenta no princípio da causa e efeito, ensina que tudo aquilo que verdadeiramente somos é o resultado daquilo que pensamos. Se perseguirmos causas boas (pensamentos, palavras e ações), conseguiremos um bom karma na vida; se as ações que realizarmos forem más para nós e para os outros, desencadearemos um karma negativo. A principal prática do budismo é a meditação, que pressupõe ser capaz de entender a própria mente, variando a filosofia que a orienta e os resultados que se propõe com a escola que se acompanha.
Se durante séculos a espiritualidade esteve ligada à religião e suas práticas, mesmo que no sentido mais apurado tenha por finalidade a compreensão da verdade, nas últimas décadas passou a relacionar-se com o natural discernimento e progresso do indivíduo, a ponto de se ter normalizado o termo “espiritualidade laica” (cf. FERRY, 2011; BOTTON, 2005).
Bibliog.: ANTUNES, s.j., Manuel, Obra Completa, t. 1, vol. 2, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2005; BOTTON, Alain de, Religião para Ateus, Lisboa, D. Quixote, 2012; DELUMEAU, Jean. (dir.), As Grandes Religiões do Mundo, Lisboa, Presença, 1997; FERRY, Luc, A Revolução do Amor. Para Uma Espiritualidade Laica, Lisboa, Temas e Debates, 2011; JÁCOMO, António, O Que Conhecemos quando Intuímos, Porto, Universidade Católica do Porto, 2014; SOARES, M. L. Couto, O Que É o Conhecimento? Introdução à Epistemologia, Porto, Campo das Letras, 2005.
Artur Manso