O estoicismo é uma escola filosófica do período helenista, fundada no séc. iii a.C. em Atenas por Zenão de Cítio (333-263 a.C.). O nome deriva do grego stoa (“pórtico”), em homenagem ao pórtico situado na ágora de Atenas, onde Zenão dava as suas palestras e se reunia com os seus discípulos. Entre os seguidores mais influentes de Zenão, contam-se Cleantes de Assos (sécs. iv-iii a.C.), Crisipo de Solis (séc. iii a.C.) e, no período mais tardio, Séneca (séc. i d.C.), Epicteto (sécs. i-ii d.C.) e Marco Aurélio (séc. ii d.C.). Apesar de os primeiros estoicos (especialmente Crisipo) terem escrito prolificamente, foi apenas destes últimos que sobreviveram livros completos, o que dificulta a interpretação do estoicismo original.
Os estoicos dividem a filosofia em três partes (lógica, filosofia e ética), mas é, indubitavelmente, a ética que assume preponderância no seu sistema. Tal como a maioria das escolas deste período, o estoicismo não se assume simplesmente como um sistema teórico, mas como uma ascese e um modo de vida, integrando na sua prática uma série de exercícios espirituais (incluindo práticas de leitura, de escrita, de memorização, de concentração, de meditação, entre outras) destinados a produzir uma transformação interior. Defendem que o bem máximo e a finalidade última da vida humana é a virtude (areté) e que a felicidade consiste em viver de acordo com a natureza. Este princípio inclui duas dimensões diretamente interligadas entre si. Por um lado, viver de acordo com a natureza significa viver de acordo com a natureza individual, o que no caso dos seres humanos implica dedicar a vida ao aperfeiçoamento da razão e ao desenvolvimento da virtude, único bem reconhecido pelos estoicos. Todas as outras coisas são consideradas “indiferentes” (adiaphora), ainda que algumas sejam “preferíveis” (proêgmena) – nomeadamente aquelas que são de acordo com a natureza (como a vida, a saúde, o prazer, a beleza, a força, a riqueza, etc.) – e outras sejam “preteríveis” (aproêgmena), por não serem de acordo com a natureza (como a morte, a doença, a dor, a fealdade, a fraqueza, a pobreza, etc.).
Os estoicos descrevem a virtude como uma técnica (technē) que permite aos seres humanos fazerem consistentemente escolhas de acordo com a natureza, razão pela qual as expressões “viver de acordo com a virtude” e “viver de acordo com a natureza” são equivalentes no sistema estoico. Segundo a escola estoica, a vida de acordo com a natureza conduz à apatheia (literalmente, “ausência de paixões da alma”), estado ideal de completa tranquilidade e estabilidade emocional, que os estoicos identificam com a felicidade. Por outro lado, viver de acordo com a natureza significa também viver de acordo com a natureza universal, i.e, de acordo com a natureza do cosmos, do qual o indivíduo faz parte. Os estoicos concebem o universo como um todo organizado e governado por uma razão perfeita (logos) – por vezes identificada como uma providência divina – que determina e ordena tudo o que acontece, tendo sempre em vista o bem do todo. Uma das coisas que a virtude proporciona aos seres humanos é um afastamento da perspetiva individual (e das preferências naturais apontadas acima) e uma conformação perfeita com a vontade do universo, o que implica uma aceitação pacífica e voluntária de tudo o que acontece. É também com base neste princípio que o estoicismo apresenta uma das legitimações do suicídio mais influentes da história da filosofia ocidental. Apesar de os estoicos mais tardios o apresentarem como um direito natural universal, os primeiros estoicos restringiam este direito ao sábio, e apenas em circunstâncias em que já não fosse possível viver ou fazer escolhas de acordo com a natureza.
O estoicismo teve grande influência não só na Grécia do período helenista, mas também ao longo do Império Romano, sobrevivendo até ao séc. vi d.C, período em que todas as escolas pagãs de filosofia foram encerradas. Foi ainda influente nos primeiros séculos da filosofia cristã, que incorporou muitos dos seus dogmas, bem como algumas das suas práticas ascéticas e exercícios espirituais. Com o Renascimento, renova-se o interesse no estoicismo, que influenciou uma grande variedade de autores modernos, entre os quais Michel de Montaigne (1533-1592), Francis Bacon (1561-1626), René Descartes (1596-1650), Blaise Pascal (1623-1662), Baruch Spinoza (1632-1677) e Immanuel Kant (1724-1804).
O séc. xxi assiste a uma popularização do estoicismo enquanto filosofia prática adaptada à vida moderna, o que se traduz numa proliferação de traduções, publicações e eventos dirigidos a audiências não especializadas, entre os quais se destaca o britânico modern stoicism.
Bibliog.: CÍCERO, M. T., On Ends [De Finibus Bonorum et Malorum], trad. RACKHAM, H., Cambridge/London, Harvard University Press, 1931; LAÉRTIOS, D., Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, liv. vii, Brasília, Editora Universitária de Brasília, 2008; EPICTETO, Encheiridion de Epicteto, trad. DINUCCI, Aldo e JULIEN, Alfredo, Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014; LONG, A. A. e SEDLEY, D. N. (eds.), The Hellenistic Philosophers: Translations of the Principal Sources, With Philosophical Commentary, Cambridge, Cambridge University Press, 1987; MARCO AURÉLIO, Meditações, trad. RIBEIRO, Carla, Porto, Ideias de Ler, 2021; SÉNECA, L. A., Cartas a Lucílio, trad. CAMPOS, J. A. S., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004.
Marta Faustino