O termo “fábula”, num sentido geral, designa uma história de carácter ficcional. Num sentido estrito, denomina uma narrativa de intenção moralizante e didática na qual os animais são personagens, geralmente em número reduzido, com comportamentos racionais. A génese deste género narrativo remonta às fábulas de Esopo, no séc. vi a.C., e de Fedro, no séc. i d.C.
Na Idade Média, a fábula integrava-se na literatura de exemplo, tendo sido várias as figuras que se dedicaram à compilação deste género de narrativas, como, e.g., Vincent de Beauvais, Guillaume Haudent e Guillaume Guéroult. No séc. xvii, com as fábulas de La Fontaine (1621-1695), o género adquiriu um grande prestígio na Europa. Na fábula, a partir dos comportamentos racionais assumidos pelos animais, é gerada uma oposição entre dois conceitos, como, e.g., o trabalho/persistência e o ócio, nas fábulas A Cigarra e a Formiga e A Lebre e a Tartaruga, em que cada animal personifica uma determinada virtude ou vício.
No âmbito da cultura religiosa, um dos exemplos mais notáveis da utilização da simbologia animal é o Bestiário ou Livro das Bestas. Embora o género, ao contrário da fábula, se circunscreva ao período medieval, partilha com a fábula a estrutura elementar das narrativas e a orientação ético-moralizante. No entanto, no caso do Bestiário, está subjacente o propósito da transmissão de valores espirituais de ordem cristã, o que decorre naturalmente do facto de os mosteiros terem sido o seu contexto de produção e de o género se destinar a um público religioso (VARANDAS, 2006, 1). Ainda neste âmbito, são também exemplos da utilização dos animais como representação de vícios ou virtudes os sermões de S.to António e do P.e António Vieira. Nestes últimos, como é o caso do Sermão de Santo António aos Peixes, à semelhança do bestiário medieval, parte-se das características físicas dos animais para depois passar aos princípios morais que lhes possam estar associados.
No início do séc. xx, José Leite de Vasconcelos encontrou na Biblioteca Palatina de Viena de Áustria uma coletânea de 63 fábulas inspiradas nas narrativas de Esopo que tinha circulado no Ocidente medieval, designando-a de Fabulário Português. Estas narrativas breves e elementares aparecem estruturadas em duas partes e de forma simples, de modo a que o leitor apreenda facilmente a lição moral. Enquanto a primeira parte corresponde ao desenvolvimento da história, a segunda configura-lhe o sentido e a exemplaridade (KRUS, 1993, 253).
Bibliog.: impressa: BUESCU, Maria Leonor Carvalhão, Literatura Portuguesa Medieval, Lisboa, Universidade Aberta, 1990; KRUS, Luís, “Fábula”, in LANCIANI, Giulia e TAVANI, Giuseppe (org. e coord.), Dicionário da Literatura Medieval Galega e Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 1993; VIEIRA, Padre António, Sermão de Santo António aos Peixes, Porto, Porto Editora, 2014; digital: VARANDAS, Angélica, “A Idade Média e o Bestiário”, Medievalista, vol. 1, n.º 2, 2006: www.fcsh.unl.pt/iem/medievalista (acedido a 08.09.2020).
Rute Rosa