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Fonema

O fonema constitui o objeto de estudo da fonologia, disciplina linguística que aborda a estrutura abstrata dos sons da fala. Os fonemas foram as primeiras unidades distintivas a serem definidas pelos fonólogos, distinguindo-se dos fones, que correspondem à realização fonética dos fonemas. Para sublinhar a diferença que existe entre o fone e o fonema, estabeleceu-se que os fones são representados entre parênteses retos nas transcrições fonéticas e que as transcrições fonológicas são representadas entre barras oblíquas.

Em português, as primeiras referências ao carácter distintivo das letras surgiram na Gramatica da Lingoagem Portuguesa (1536), de Fernão de Oliveira (1507-1580/1). Porém, foi só no séc. xix, quando os conceitos de fonética e de fonologia começaram a ser amplamente difundidos, que surgiu a aceção moderna de fonema. Em 1894, no Círculo de Kazan, iniciado por Jan Ignacy Niecislaw Baudouin de Courtenay (1845-1929) e por Mikołaj Habdank Kruszewski (1851-1887), introduz-se a oposição “antropofónico” vs. “psicofonético”. Estes estudiosos definem o fonema como o “equivalente psicológico do som da fala”. Nas primeiras décadas do séc. xx, com o desenvolvimento da fonologia estrutural, defendia-se que o objetivo da fonologia deveria ser identificar as diferenças fónicas associadas a “diferenças de significação”. Para tal, foi definida a existência de um nível fonológico, procurando estabelecer os sistemas fonológicos das línguas, assim como identificar as relações que podem ser estabelecidas entre fonemas (TRUBETZKOI, 1949, 2).

Numa sequência sonora, os fonemas são as unidades que, se forem substituídas por outras, geram modificações ao nível do significado, como, e.g., as vogais abertas [o] e [a], que correspondem a diferentes fonemas do português, /o/ e /a/, permitindo distinguir as palavras “bota” e “bata”, que diferem apenas num som e também no significado, encontrando-se, por isso, em “posição distintiva” (MATEUS et al., 2005, 160). Neste sentido, o fonema, como modelo abstrato de um som, só poderá ser definido pelos traços que nele assumem um valor distintivo, e cada traço constitui, desta forma, a unidade que possibilita a distinção de dois fonemas no âmbito de uma língua natural (DUCROT e TODOROV, 1972, 166-167; SILVA, 2010, 112). Os pares de palavras que permitem esta distinção são denominados “pares mínimos”. Por outro lado, os fones que correspondem a um só fonema, como, e.g., o fonema /a/, que se concretiza como [a] em “caro” [k′aru] e como [ɐ] em “para” [pɐɾɐ], denominam-se “alofones”.

No âmbito da espiritualidade e da mística, a consciência de que as diferenças fónicas podem gerar diferenças ao nível da significação levou, e.g., Panini, gramático indiano que viveu no séc. v a.C., ao desenvolvimento uma teoria fonética e fonológica do sânscrito, dado que qualquer imprecisão na pronúncia e articulação dos sons das formas rituais poderia invalidar o valor das cerimónias hindus (BURROW, 2001, 47).

 

Bibliog.: BURROW, Thomas, The Sanskrit Language, Delhi, Motilal Banarsidass Publishers, 2001; DUCROT, Oswald e TODOROV, Tzvetan, Dictionnaire Encyclopédique des Sciences du Langage, Paris, Éditions du Seuil, 1972; FARIA, Isabel Hub et al. (org.), Introdução à Linguística Geral e Portuguesa, Lisboa, Caminho, 1996; MATEUS, Maria Helena et al., Fonética e Fonologia do Português, Lisboa, Universidade Aberta, 2005; SILVA, Paulo Nunes da, Manual de Introdução aos Estudos Linguísticos, Lisboa, Universidade Aberta, 2010; TRUBETZKOI, Nicolas, Principes de Phonologie, Paris, Klincksieck, 1949.

 

Rute Rosa

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