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Intelectualismo

Num sentido mais estrito, designa uma teoria que defende que o intelecto (ou a razão) é a motivação das ações humanas e que desvaloriza ou desconsidera o papel de elementos “irracionais” como o puro desejo ou a pura vontade. Num sentido mais lato, o termo pode também referir-se à confiança na capacidade do intelecto para conhecer a realidade ou para orientar a vida individual ou a sociedade.

Enquanto teoria motivacional, fala-se muitas vezes de intelectualismo no contexto da filosofia antiga. Sócrates parece ter defendido a ideia contraintuitiva de que se age sempre de acordo com a conceção que se tem do que é melhor, de modo que o pensamento ou a razão controla sempre a ação e não é possível que o desejo ou as emoções provoquem uma perda de controlo ou incontinência (akrasia). Também de acordo com Sócrates, a virtude é conhecimento (de modo que se agiria sempre bem se se soubesse o que é o bem) e só se faz o mal por ignorância. Com diversas qualificações e reservas, Platão, Aristóteles e os estoicos defenderam igualmente que o intelecto se sobrepõe ou se pode sobrepor a outras motivações.

Por meio destes autores, o intelectualismo passou também para a reflexão ética e teológica cristã. Contudo, neste novo contexto, e sobretudo a partir da escolástica, a questão é concebida como um confronto entre intelecto e vontade. Intelectualistas como S. Tomás de Aquino defendem que a vontade segue o intelecto ou é determinada por ele (pois de outro modo a vontade seria indeterminada), e, em virtude disso, a ética e a espiritualidade dependem do desenvolvimento racional ou intelectual. Mas a esta conceção opôs-se o voluntarismo, desenvolvido pela Escola Franciscana no séc. xiii, que afirma a autonomia da vontade como forma de defender a liberdade e a espontaneidade do amor. O debate entre intelectualistas e voluntaristas ia, aliás, além da motivação humana e abrangia também a questão de saber se Deus estaria necessariamente determinado pelo seu intelecto (como Leibniz mais tarde defendeu) ou se a vontade de Deus precedia, de alguma forma, o seu intelecto (como Duns Scotus parece defender).

O intelectualismo caiu em declínio com o desenvolvimento de conceções teológicas que deram um papel mais central à fé e ao sentimento (relegando a razão para segundo plano) e também de filosofias que atribuíram um papel fundamental na ação a elementos irracionais e até fisiológicos.

 

Bibliog.: HOFFMANN, Tobias, “Intellectualism and Voluntarism”, in PASNAU, Robert e VAN DYKE, Christina (dirs.), The Cambridge History of Medieval Philosophy, vol. i, Cambridge, Cambridge University Press, 2010, pp. 414-427; LEFEBVRE, René e TORDESILLAS, Alonso (dirs.), Faiblesse de la Volonté et Maîtrise de Soi: Doctrines Antiques, Perspectives Contemporaines, Rennes, Presses Universitaires de Rennes, 2009; OSBORNE, Thomas M. Jr., Human Action in Thomas Aquinas, John Duns Scotus, and William of Ockham, Washington-DC, The Catholic University of America Press, 2014; SEGVIC, Heda, “No One Errs Willingly: The Meaning of Socratic Intellectualism”, in AHBEL-RAPPE, Sara e KAMTEKAR, Rachana (dirs.), A Companion to Socrates, Malden-MA, Blackwell, 2006, pp. 171-185.

 

Helder Telo

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