Todo o processo linguístico se enquadra no contexto geral da ação humana e, como tal, aponta para a ideia de intencionalidade e racionalidade prática. Pensar a linguagem requer, por isso, integrá-la no âmbito mais amplo da própria vida humana, no seu modo de agir e inter-agir com o mundo, de pensar, de sentir. Pensar a linguagem é pensar o humano no seu modo de viver no mundo e de conviver com os outros.
Na filosofia contemporânea, a análise da linguagem assumiu sobretudo uma função crítica, substituindo-se ao próprio discurso filosófico; esta “viragem linguística” tem aspetos positivos, pois o interesse pela linguagem dos filósofos analíticos não significa desinteresse pelas grandes questões filosóficas, mas é motivado, até certo ponto, porque julgam que a linguagem contribui, em parte, para a resolução de algumas dessas questões; tem aspetos negativos quando o exercício dessa função crítica conduz a um reducionismo positivista.
Dois autores merecem uma atenção particular: Wittgenstein e Frege.
No Tractatus, Wittgenstein trata de averiguar as condições de possibilidade de todo o discurso, ou dos limites de toda a linguagem com sentido. Pretender traçar os limites da linguagem leva a ultrapassar esses próprios limites, produzindo um discurso que infringe as próprias regras do sentido pressupostas. O impasse final do Tractatus simboliza o problema crucial da impossibilidade de uma semântica total focada exclusivamente na dimensão representativa da linguagem. As teses do Tractatus terminam numa aporia que conduz ao “silêncio total”: “Acerca daquilo de que se não pode falar, tem que se ficar em silêncio (WITTGENSTEIN, 1987, 6.54). A principal obra posterior de Wittgenstein, Investigações filosóficas, corrige o seu anterior ideal de linguagem, introduz a noção de “jogos de linguagem”, e desenvolve uma série de ideias como as de sentido, compreensão, o problema da “linguagem privada”, formas de vida. Todos os seus escritos posteriores têm o cunho de um diálogo consigo mesmo, ou com um interlocutor imaginário, um “outro-eu”; é essa a ideia que tem da filosofia, a de um trabalho sobre si próprio.
Frege é um lógico, que se confronta com as imprecisões da linguagem corrente. O seu programa consistia na elaboração de uma linguagem conceptual perfeita, adequada ao pensamento enquanto pensamento. Introduz a distinção entre sentido e referência, que permite responder a duas questões fundamentais: por um lado, a dimensão cognitiva do emprego da linguagem que explica como é que um sujeito sabe usar os nomes, as proposições, e reconhece o que estes designam; por outro lado, a capacidade de referir, através dos signos linguísticos, objetos de pensamento determinados. O sentido, que no caso das proposições é precisamente o pensamento expresso, constitui a mediação entre o signo (a proposição) e o seu referente, que é um dos valores de verdade, o Verdadeiro ou o Falso; um nome tem sentido porque apresenta um critério de identificação do objeto designado; um predicado, porque permite determinar quais os objetos que caem sob o conceito, o referente do predicado. A noção de sentido garante a objetividade do pensamento, que não se encerra no domínio da subjetividade, mas alcança um estatuto intersubjetivo independente dos atos psicológicos do pensar e do julgar. Pensar, para Frege, significa apreender, captar um sentido. O pensamento não é um mero produto mental, mas algo que transcende a consciência do sujeito e que se lhe apresenta como algo de real. Que o Verdadeiro e o Falso são objetos, é uma das teses de Frege mais discutidas, mas pode entender-se como a garantia de salvaguardar a total objetividade e independência dos valores de verdade em relação ao pensamento, que constituía um dos pilares da lógica da linguagem fregeana.
Não podemos deixar de referir as mais recentes abordagens da linguagem expressamente entendida como praxis, ação propriamente dita. J. L. Austin, em How to do things with words (1962), enfatiza a irredutibilidade do elemento prático, mostrando que a frase não tem apenas a função de “descrever” ou afirmar um facto, mas constitui um “ato de fala”, ações intrinsecamente intencionais, que excedem a mera ação de emitir sons. A teoria dos “atos de fala” será desenvolvida por vários autores, entre os quais John R. Searle, em Os actos de fala: Um ensaio de filosofia de linguagem (1984), e uma vez que se considera a linguagem como uma forma de ação racional, contribuirá para os estudos da racionalidade prática, nomeadamente de Donald Davidson, em Essays on Action and Events (2011). Por último, dada a conaturalidade entre o pensar e o dizer, pode considerar-se o pensamento como uma espécie de linguagem que pode ser abordada em termos de operações computacionais. Particularmente Jerry A. Fodor, em The Language of Thought (1980), introduz a ideia de uma linguagem do pensamento. Pensar consistiria literalmente em operações computacionais sobre as expressões dessa linguagem – o mentalês. Na contemporaneidade, as opiniões em torno do computacionalismo e dos méritos da psicologia cognitiva estão muito divididas.
Bibliog.: AUSTIN, J. L., How to do Things with Words, Oxford, Clarendon Press, 1962; DAVIDSON, Donald, Essays on Action and Events, Oxford, Clarendon Press, 2011; FODOR, Jerry A., The Language of Thought, Cambridge-MA, Harvard University Press, 1980; FREGE, Gottlob, Lógica e filosofia da linguagem, trad. e org. Paulo Alcoforado, São Paulo, Editora Cultrix, 1978; Id., Os fundamentos da aritmética, trad. António Zilhão, Lisboa, IN-CM, 1992; SEARLE, John R., Os actos de fala: Um ensaio de filosofia de linguagem, Coimbra, Almedina, 1984; WITTGENSTEIN, Ludwig, Tratado lógico-filosófico/Investigações filosóficas, trad. M-S. Lourenço, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1987.
Maria Luísa Couto Soares