Na lógica estuda-se o que se segue do quê, i.e., queremos saber quando temos um bom ou mau raciocínio, um argumento válido ou inválido. Nomeadamente, visa-se responder à seguinte questão sobre a relação de consequência: o que podemos concluir a partir de uma ou mais afirmação que temos? Como resposta a esse problema, a lógica utiliza linguagens formais para determinar a validade dos argumentos, uma vez que numa linguagem formal se consegue distinguir o vocabulário lógico daquele que não é lógico. Assim, uma linguagem formal ajuda na tarefa de determinar que argumentos são válidos. A tarefa de formalização consiste na tradução do argumento da linguagem natural para a linguagem formal. O vocabulário desta linguagem formal, no caso da lógica proposicional, é constituído por (1) variáveis proposicionais, P, Q, R, …, que abreviam proposições simples ou atómicas (i.e., proposições sem operadores lógicos verofuncionais); (2) por operadores lógicos verofuncionais, como ¬ (negação), ∧ (conjunção), ∨ (disjunção), → (condicional), ↔ (bicondicional); e (3) por símbolos auxiliares, como os parêntesis, que determinam o âmbito da operação, ou o símbolo ∴, que indica a conclusão. Esta linguagem formal obedece a algumas regras gramaticais que permitem construir uma fórmula bem formada (fbf) com significado. Essas regras são as seguintes: se α é uma variável proposicional isolada, α é uma fbf; se α é uma fbf, ¬α é igualmente uma fbf; se α e β são fbf, então (α∧β), (α∨β), (α→β) e (α↔β) também são fbf; nada mais é uma fbf.
Com base nesta gramática, pode-se traduzir para linguagem formal argumentos da linguagem natural. Por exemplo, considere-se o seguinte argumento sobre o paradoxo da pedra que milita contra a omnipotência divina: “Deus pode criar uma pedra que é impossível de levantar ou não pode criar essa pedra. Por um lado, se Deus não pode criar essa pedra, ele não pode fazer tudo (ou seja, não a pode criar). Por outro lado, se Deus pode criar essa pedra, então ele não pode fazer tudo (ou seja, não a pode levantar). Mas, se Deus é omnipotente, então pode fazer tudo. Logo, Deus não é omnipotente”. Para formalizar o argumento na linguagem lógica proposicional, utilizemos a variável P como abreviatura da proposição “Deus pode criar uma pedra que é impossível de levantar,” a variável Q como abreviatura da proposição “Deus pode fazer tudo” e a variável R como abreviatura da proposição “Deus é omnipotente”. Tendo isso em consideração, a formalização lógica do argumento é a seguinte: (P∨¬P),(P→¬Q),(¬P→¬Q),(R→Q)∴¬R. O que dizer deste argumento? Podemos aceitar a sua conclusão? Será logicamente válido?
Um argumento é válido ou logicamente correto caso a conclusão seja uma consequência lógica das premissas, sendo que a relação de consequência, entre premissas e conclusão, deve preservar a verdade em toda a interpretação. De forma mais rigorosa, uma fórmula ϕ é uma consequência lógica de um conjunto de fórmulas Γ (i.e., Γ⊨ϕ) se, e só se, para toda a interpretação I, se cada membro de Γ tem valor V em I, então ϕ tem valor V em I. Uma interpretação I para uma fórmula ϕ consiste numa função f em que se faz uma atribuição de valores de verdade para as variáveis proposicionais de ϕ (sendo que se f atribui a ϕ o valor V, abreviamos como f(ϕ)=V). Essas interpretações variam de lógica para lógica. Por exemplo, a lógica clássica, sendo uma lógica bivalente, sustenta que cada proposição é ou V (verdadeira) ou F (falsa); além disso, as condições de verdade das fórmulas não-atómicas são dadas pelas seguintes cláusulas: f(¬α)=V se f(α)=F, caso contrário é F; f(α∧β)=V se f(α)=f(β)=V, caso contrário é F; f(α∨β)=V se f(α)=V ou f(β)=V, caso contrário é F; f(α→β)=V se f(α)=F ou f(β)=V, caso contrário é F; e f(α↔β)=V se f(α)=f(β), caso contrário é F. Com base nesta interpretação ou semântica da lógica proposicional clássica, pode-se construir tabelas de verdade, árvores de refutação, derivações, etc., para determinar se um dado argumento é válido ou inválido. Por exemplo, usando esta semântica da lógica clássica, podemos constatar que o argumento do paradoxo da pedra é válido, dado que não há qualquer interpretação em que as premissas são todas verdadeiras e a conclusão falsa. É também com base na semântica da lógica clássica que se advoga a lei da não-contradição, representada como ¬(ϕ∧¬ϕ), a lei do terceiro excluído, representada como (ϕ∨¬ϕ), entre outros.
Mas há muita discussão e desacordo sobre se a lógica clássica é realmente correta e se as leis lógicas podem ou não ser revistas. Um dos principais debates é entre excecionalismo e antiexcecionalismo. Por um lado, o excecionalismo é a ideia de que a lógica é especial, sendo que as leis e inferências básicas da lógica são válidas porque são analíticas (i.e., verdadeiras em virtude do seu significado). Dessa forma, as inferências lógicas não são suscetíveis de revisão ou de escrutínio, dado que nenhuma evidência empírica (nem sequer teológica) poderá colocá-las em questão. Vários teólogos e filósofos da religião aceitam o excecionalismo, como é o caso de Plantinga (2000, 146), que advoga que os princípios lógicos são crenças apropriadamente básicas, a priori, não sujeitas a revisão. Nesta perspetiva, a investigação teológica é sujeita a normas e restrições da lógica, pelo que, se houver algum conflito entre a teorização teológica e as leis da lógica (como acontece no caso do paradoxo da pedra), essa teorização teológica deve ser revista ou dissolvida, mas não a lógica (dado que a lógica é o alicerce de toda a teorização racional). Por exemplo, em relação ao argumento do paradoxo da pedra, para não se estar comprometido com a ideia de que simultaneamente Deus pode e não pode fazer tudo, o que seria uma violação da lei da não-contradição, pode-se tentar redefinir o que significa ser “omnipotente” ao defender-se, tal como faz Tomás de Aquino, que não é exigido que Deus faça o que é logicamente impossível de forma a ser omnipotente.
Por outro lado, de acordo com o antiexcecionalismo, a lógica não é especial, havendo uma semelhança entre os métodos da lógica e os métodos teóricos da ciência. Assim, tal como a ciência, a lógica está sujeita a revisões com base em considerações relacionadas com a simplicidade, poder explicativo, unidade, fecundidade, adequação à evidência, etc. Ou seja, como defende Quine (1986, 100), “a lógica não é, em princípio, menos aberta à revisão do que a mecânica quântica ou a teoria da relatividade”. Uma dada teoria lógica pode ser revista por considerações semânticas (e.g., com base no paradoxo do mentiroso), científicas (como no caso da rejeição do princípio da distributividade, com base no que acontece no mundo quântico), metafísicas (como no caso da rejeição da lei do terceiro excluído, motivada por conceções presentistas sobre a metafísicas do tempo), mas também por considerações teológicas. Há vários filósofos da religião e teólogos que seguem o antiexcecionalismo, ao sustentarem que os sistemas lógicos devem ser passíveis de revisão por poderem ser desafiados em bases teológicas, tal como fazem Barth (1927, 217), ao defender que a lei da não-contradição é inválida na teologia, ou, mais recentemente, Cotnoir (2017) e Beall (2019), ao advogarem uma teologia com base numa lógica paraconsistente e dialeteísta como forma de solucionarem paradoxos teológicos (como o paradoxo da pedra) e cristológicos. Neste contexto, a lógica emerge como uma ferramenta essencial na teorização teológica. Tal como se pode constatar, se o antiexcecionalismo for correto, a lógica não é neutra.
Bibliog.: BARTH, Karl, Die Christliche Dogmatik Im Entwurf: Prolegomena Zur Christlichen Dogmatik, vol. 1, München, C. Kaiser, 1927; BEALL, Jc., “Christ a contradiction: A defense of contradictory christology”, Journal of Analytic Theology, vol. 7, july, 2019, pp. 400-433; COTNOIR, A. J., “Theism and dialetheism”, Australasian Journal of Philosophy, vol. 96, n.º 3, 2017, pp. 592-609; PLANTINGA, Alvin, Warranted Christian Belief, Oxford, Oxford University Press, 2000; QUINE, W. V., Philosophy of Logic, Cambridge, Harvard University Press, 1986.
Domingos Faria