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Mantra

Do sânscrito mantra, “instrumento de pensamento”, corresponde a uma fórmula sagrada, composta por sílabas, fonemas ou grupos de palavras em sânscrito, cujos praticantes acreditam ter um forte poder místico e espiritual. A sua origem remonta aos textos védicos do hinduísmo, mas encontra-se também presente em religiões como o jainismo, o budismo e o sikhismo.

Vários autores desenvolveram esquemas de interpretação do mantra, porém, sem consenso. Para Jan Gonda, o conceito de mantra vai para além da ideia de oração, de invocação, de louvor ou mesmo de fórmula. Ele pode ser invocatório, evocatório, benéfico ou prejudicial, salutar ou pernicioso (GONDA, 1963, 245). Eis a complexidade desta manifestação do som sagrado. Agehananda Bharati divide em três tipos a recitação do mantra: propiciação, aquisição e identificação (BHARATI, 1965, 111). Por outro lado, Heinrich Zimmer define mantra enquanto instrumento verbal que produz algo na mente de alguém (ZIMMER, 1946, 2).

Os mantras são eternos elementos da estrutura do universo, precedendo a existência dos próprios deuses (BURCHETT, 2008, 814). São sons ou vibrações dos princípios eternos da ordem cósmica (COWARD e GOA, 2004, 35). O mantra basilar é Om, a fonte de todos os mantras. Os hindus acreditam numa realidade suprema, o Brahman, presente antes da existência e para além da existência, de quem a primeira manifestação é Om. Ele é o próprio ser supremo em forma de som, o som primordial, que conecta o Brahman e o mundo material. A sílaba Om engloba o mundo inteiro: ela é passado, presente e futuro, e tudo está contido nela (KLOSTERMEIER, 1990, 71). Por esta razão, Om é o prefixo e o sufixo das orações hindus.

Um mantra pode ser uma sílaba ou um verso retirado dos textos védicos para invocar deuses ou princípios, ou para se focar na realidade suprema. Diferentemente dos hinos, certos mantras são intraduzíveis, como é o caso das sílabas svaha, hrim ou aim, que não têm significado, mas que têm uma função ritual ou mística. Por outro lado, mantras que são citações dos textos védicos geralmente têm significado. Existem ainda formas mistas, que conjugam os dois tipos, como é o caso de Om tat sat (“Om, este é o ser”). No caso da tradição devocionalista (bhakti), e.g., os mantras são os nomes das divindades, entoados repetidamente. Contudo, a eficácia do mantra não depende da sua compreensão, mas da sua recitação e audição corretas (MICHAELS, 1994, 229). Um mantra não precisa de ser inteligível ou ter um significado concreto: é o seu som que permite atingir uma realidade transcendente. Ainda assim, as instruções de correta pronunciação ou entoação (BHARATI, 1965, 122) são fundamentais no uso ritual dos mantras, permitindo a conexão com a essência divina, dependendo a sua eficácia das vibrações dos sons que este produz. Podem ser recitados em voz alta, sussurrados ou repetidos mentalmente (BURCHETT, 2008, 214).

À medida que o hinduísmo foi evoluindo, também a função dos mantras se foi transformando, desde a sua utilização mais pragmática até às intenções transcendentes, como a libertação do ciclo de reencarnações ou a conexão espiritual com o divino (ALPER, 1991, 7), tendo esta nova abordagem redentora dos mantras conduzido a uma dimensão em que a linguagem espiritual não requer a existência de significados literais, centrando-se na ressonância e qualidade musical do processo espiritual deste instrumento de pensamento. No entanto, os mantras são multiformes, usados em variados contextos e com vários propósitos (ALPER, 1991, 6). Eles são uma constante da vida religiosa da Índia, desde os tempos védicos até à contemporaneidade (BURCHETT, 2008, 813), permanecendo até à atualidade, particularmente no culto prestado às divindades, bem como em vários rituais públicos e privados, diários ou cíclicos, ou nos rituais de iniciação, onde a recitação e a transmissão dos mantras acompanham o indivíduo, desde a sua conceção até à morte. Os mantras podem, portanto, ser usados com diferentes finalidades, que não são necessariamente incompatíveis (PADOUX, 1990, 381). Podem ser recitados informalmente, na vida quotidiana dos indivíduos, santificando os banhos matinais, na preparação das refeições, para proteção contra espíritos malévolos ou até na conceção de um filho.

Outro aspeto fundamental dos mantras é a sua transmissibilidade, particularmente na tradição tântrica do hinduísmo, onde este deverá passar de guru para discípulo através de um ritual de iniciação. Neste contexto, o mantra assume um carácter secreto, único e intransmissível, cabendo ao guru determinar qual o mantra apropriado a cada iniciante (BURCHETT, 2008, 815). Ao contrário dos mantras usados nos rituais védicos de sacrifício, o ritual tântrico implica a concentração num único mantra repetido várias vezes até atingir a identidade entre o/a praticante e o divino, ativando a ligação entre o mundano e o divino. Estes são os bija mantras, sons monossilábicos considerados manifestações dos poderes cósmicos (BURCHETT, 2008, 821).

 

Bibliog.: ALPER, Harvey P., “Introduction”, in Understanding Mantras, Delhi, Motillal Banarsidass, 1991; BHARATI, Agehananda, The Tantric Tradition, London, Rider, 1965; BURCHETT, Patton, E., “The ‘magical’ language of mantra”, Journal of the American Academy of Religion, vol. 76, n.º 4, 2008, pp. 807-843; COWARD, Harold e GOA, David, Mantra: Hearing the Divine in India and America, New York, Columbia University Press, 2004; GONDA, J., “The Indian mantra”, Oriens, vol. 16, 1963, pp. 244-297; KLOSTERMEIER, Klaus, A Survey of Hinduism, Delhi, Munshiram Manoharlal Publishers, 1990; MICHAELS, Axel, Hinduism. Past and Present, Delhi, Orient Longman, 1994; PADOUX, André, Vāc: The Concept of the Word in Selected Hindu Tantras, Albany, State University of New York Press, 1990; ZIMMER, Heinrich Robert, Myths and Symbols in Indian Art and Civilization, Washington DC, Pantheon Books, 1946.

 

Inês Lourenço

 

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