A palavra memória representa simultaneamente um conjunto de processos e o resultado desses mesmos processos. A palavra tem origem no latim memor e memoria, mas o conceito, que representa o fenómeno de recordar e o conteúdo dessa recordação, está presente já nas obras de Platão e Aristóteles.
Para a psicologia cognitiva, a memória é um conjunto de capacidades cognitivas que permitem os processos de codificação, armazenamento e recuperação de informação. Quando usado no plural, “as memórias”, refere-se ao conjunto da informação armazenada e que pode ser recuperada. A memória e as memórias de cada indivíduo podem ser categorizadas de acordo com diversos fatores. Segundo Squire, os principais fatores são a duração, o nível de consciência que delas temos e a natureza dos registos mnésicos. A duração é o critério mais antigo de categorização. William James propôs a dicotomia “memória primária” e “memória secundária”, que mais tarde daria origem à dicotomia “memória de curto termo” e “memória de longo termo”, para se referir respetivamente a memórias que só estão disponíveis durante alguns minutos e a memórias que potencialmente podemos manter durante toda a vida. A conceptualização mais influente da memória de curto termo teve origem nos trabalhos de Baddeley e Hitch, nos anos 70 do séc. xx, e deu origem ao termo “memória de trabalho”. Baddeley comparou a “memória de trabalho” a um rascunho onde fica temporariamente disponível uma quantidade limitada de informação que chega ao sistema cognitivo. Nesse formato temporário, que pode ir de alguns segundos a alguns minutos, pode ser utilizada para diversas tarefas cognitivas – como a linguagem, o cálculo, ou o raciocínio – após o que deixa de estar disponível.
Quanto ao nível de consciência, as memórias podem ser categorizadas como implícitas ou explícitas. As memórias implícitas são as memórias que adquirimos e a que acedemos de forma inconsciente. São exemplos destas memórias os procedimentos aprendidos, muitas vezes motores, e as associações entre estímulos, como as respostas condicionadas de carácter emocional ou somático. As memórias explícitas (também chamadas de declarativas), a que no senso comum chamamos as nossas memórias, são as memórias a que acedemos conscientemente e que podemos verbalizar e partilhar. São elas as memórias dos episódios que vivemos – a memória episódica – e as do conhecimento geral que adquirimos sobre o mundo – a memória semântica.
As neurociências têm vindo a mostrar que a formação de memórias se traduz em modificações nas células nervosas – neurónios – que fazem parte de determinadas redes neuronais. Diferentes processos de memória e diferentes tipos de memórias podem depender de diferentes redes neuronais.
A nossa memória permite guardar uma quantidade infinita de informação resultante dos encontros que temos com o mundo ao longo da vida. Essa informação, as nossas memórias, é determinante para a interação com o mundo, permitindo-nos usar o passado para interpretar o presente e prever o futuro.
As nossas memórias contribuem para a nossa identidade e espiritualidade. A espiritualidade envolve uma procura de sentido para a vida e muitas práticas e exercícios espirituais implicam, nessa procura, uma reflexão sobre a nossa identidade a partir das nossas memórias.
Do ponto de vista social e histórico, o termo memória adquire ainda um outro significado, o da memória coletiva. A memória coletiva refere-se aos factos e acontecimentos que os membros de um grupo social, cultural ou religioso partilham. Para além do substrato biológico e mental de cada um, as memórias coletivas estão presentes em substratos culturais como as narrativas, os monumentos, as comemorações e celebrações, e outros símbolos da comunidade. Tal como as memórias individuais, as memórias coletivas são determinantes para a identidade dos grupos e para as suas tomadas de decisão, estando também sujeitas a esquecimento.
O termo memória é também utilizado para designar um componente de um aparelho eletrónico, como um computador. Nestas memórias, toda a informação é registada utilizando um mesmo código binário, 0 ou 1, que representa o estado ligado ou desligado de um transístor.
Bibliog.: BADDELEY, A., “Working Memory”, Science, nº 255, 1992, pp. 556-559; HALBWACHS, Maurice, On Collective Memory, Chicago, The University of Chicago Press, 1992; WERTSCH, James V. e ROEDIGER III, Henry L., “Collective Memory: Conceptual Foundations and Theoretical Approaches”, Memory, n.º 16, 3, 2008, pp. 318-326; ROEDIGER, Henry L. e YAMASHIRO, Jeremy K., “Memory”, in STERNBERG, R. J. e W. E. PICKREN (dir.), The Cambridge Handbook of the Intellectual History of Psychology, Cambridge, Cambridge University Press, 2019, pp. 165-215; SQUIRE L. R., “Memory Systems of the Brain: A Brief History and Current Perspective”, Neurobiology of Learning and Memory, n.º 82 (3), 2004, pp. 171-177.
Filipa Ribeiro