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Modelo

A palavra “modelo” tem origem no latim modulus, diminutivo de modus, cujo significado é “medida” (BIROU, 1988). Esta noção é caracterizada por uma profunda polissemia, cobrindo um campo semântico de extrema indefinição (DELATTRE, 1992). Na aceção mais comum, a de “modelo concreto”, remete para referências que se copiam. É, no entanto, como “modelo abstrato” que esta noção passou a ocupar um lugar central no discurso científico, designadamente ao nível das ciências sociais. Os modelos surgem, neste último sentido, como uma representação formalizada das realidades sociais. Têm como finalidade propor uma interpretação dos objetos estudados e das relações entre os elementos que os compõem, tendo em conta a sua sincronia e diacronia e respeitando, ainda que de forma esquemática, a sua complexidade (CHEVALIER, 1990).

Encontramos a presença da noção de modelo em áreas tão diversificadas como a matemática, a filosofia, a biologia, a linguística, a economia, a psicologia, a sociologia, a geografia ou a história (DORTIER, 2006). O seu uso em educação é igualmente recorrente, por via de expressões como “modelo escolar”, “modelo pedagógico”, “modelo curricular”, “modelo de ensino” ou “modelo de aprendizagem” (BERTRAND, 1991). Vamos aqui desenvolver, como exemplos, os conceitos de modelo escolar e de modelo pedagógico.

O conceito de modelo escolar (BARROSO, 1995) tem um sentido relativamente próximo de conceitos como forma escolar (Vincent et al., 1994) ou gramática da escola (Tyack e Cuban, 1998). O modelo escolar surge como uma espécie de paradigma através do qual são sistematizadas e enfatizadas algumas das principais características da escola moderna, tal como foi esboçada entre os sécs. xvi e xviii, em particular no seio de algumas comunidades religiosas, tendo conhecido a sua generalização entre os sécs. xix e xx, em especial nas sociedades ocidentais. Entre essas características, podemos indicar a construção de um universo próprio e separado para a infância e para a juventude, uma organização racional e homogénea do tempo escolar, a delimitação de um espaço fechado e quadriculado para as atividades educativas, um conjunto seccionado de saberes a transmitir, uma sequência ritualizada de atividades de ensino e aprendizagem envolvendo tanto alunos como professores ou um corpo de regras definindo os comportamentos esperados da parte dos diversos atores e circunscrevendo os lugares de poder. As necessidades de integração social colocadas pelas sociedades modernas suscitam, nessa conformidade, a construção de um novo tipo de organização escolar, a qual passa a assumir um papel central na socialização massiva dos indivíduos e dos grupos, tendo em vista a construção de uma identidade centrada no ideal aglutinador do Estado-nação (PINTASSILGO, 2019). Uma das originalidades deste conceito em relação aos seus congéneres tem que ver com a ênfase colocada em algumas das dimensões dessa construção teórica e na articulação entre elas, a saber, a graduação escolar, a consideração da classe como núcleo essencial da organização pedagógica e um ensino magistral que dá corpo a uma pedagogia coletiva (BARROSO, 1995).

O conceito de modelo pedagógico, por seu lado, refere-se a “um sistema educacional compreensivo que se caracteriza por combinar um quadro de valores, uma teoria e uma prática” (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007, 34). Particularizando, esta noção inclui uma abordagem coerente e interligada das grandes finalidades educacionais e dos objetivos daí decorrentes, um quadro de valores, uma conceção do ensino, da aprendizagem e da avaliação e, finalmente, um conjunto de orientações tendo em vista práticas curriculares e educativas. O modelo pedagógico pode ser visto como uma “janela” quando se assume como um contexto de experiência e de comunicação com a experiência, de ação e de reflexão sobre a ação, aberto à reconstrução individual e coletiva e permitindo uma didática flexível. Mas pode também surgir como um “muro”, quando é visto como uma arma nas mãos de missionários ou de apóstolos fundamentalistas, como um exclusivo de determinados movimentos ou associações, quando se transforma em retórica, ou, ainda, quando toma a forma de um ritualismo didático assente em receitas tidas como infalíveis (Oliveira-Formosinho, 2007).

Em síntese, os modelos pedagógicos devem servir como elementos de inspiração da ação educativa, abertos ao diálogo e ao ecletismo, e não encerrados numa qualquer ortodoxia. A noção de modelo pedagógico é fundamental, e.g., pensando no caso português, para caracterizar experiências educativas como as inspiradas, entre outras, nas pedagogias Freinet, Waldorf, High Scope ou Reggio Emilia.

 

Bibliog.: BARROSO, João, Os Liceus. Organização Pedagógica e Administração (1936-1960), 2 vols., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian/Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1995; BERTRAND, Yves, Teorias Contemporâneas da Educação, Lisboa, Instituto Piaget, 1991; BIROU, Alain, Dicionário de Ciências Sociais, Lisboa, Círculo de Leitores, 1988; CHEVALIER, Yves, “Modelo em sociologia”, in BOUDON, Raymond et al. (dir.), Dicionário de Sociologia, Lisboa, Círculo de Leitores, 1990, pp. 163-164; DELATTRE, Pierre, “Teoria/ Modelo”, in Enciclopédia Einaudi. Método-Teoria/Modelo, vol. 21, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1992, pp. 223-287; DORTIER, Jean-François, Dicionário das Ciências Humanas, Lisboa, Climepsi Editores, 2006; Oliveira-Formosinho, Júlia, “Pedagogia(s) da infância: reconstruindo uma práxis de participação”, in Oliveira-Formosinho, Júlia (org.), Modelos Curriculares para a Educação de Infância. Construindo Uma Práxis de Participação, Porto, Porto Editora, 2007, pp. 13-42; Pintassilgo, Joaquim, “Um olhar histórico sobre escolas diferentes. Perspetivas teóricas e metodológicas”, in Pintassilgo, Joaquim e ALVES, Luís Alberto Marques (coords.), Roteiros da Inovação Pedagógica. Escolas e Experiências de Referência em Portugal no Século XX, Lisboa, Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, 2019, pp. 7-32; TYACK, David e CUBAN, Larry, Tinkering toward Utopia. A Century of Public-School Reform, Cambridge, Harvard University Press, 1998; VINCENT, Guy et al., “Sur l’histoire et la théorie de la forme scolaire”, in VINCENT, Guy (dir.), L’Éducation Prisonnière de la Forme Scolaire? Scolarisation et Socialisation dans les Sociétés Industrielles, Lyon, Presses Universitaires, 1994, pp. 11-48.

 

Joaquim Pintassilgo

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