Do grego antigo neo (“novo”) e logos (“palavra”, “doutrina”, “discurso”, “história”).
No contexto da linguística, em concreto da lexicologia, o termo refere-se a uma palavra ou expressão nova, ou recentemente criada, seja por criação e formação de novos vocábulos, seja pela atribuição de outro significado a palavras já existentes, seja pela incorporação de palavras de outros idiomas. O neologismo pressupõe a criação ou mudança de uma palavra no âmbito lexical, fonético-fonológico, morfológico ou pragmático, tornando-se um caso particular de sinonímia (por oposição a arcaísmo). Os neologismos têm sido objeto de alguma controvérsia desde que se iniciaram os estudos lexicográficos, no séc. xviii, já que há autores que defendem que as línguas se enriquecem com a sua introdução e uso corrente, enquanto outros as desconsideram como vocábulos disruptores da chamada pureza linguística. Na introdução ao Dicionário de Sinónimos, Poético e de Epítetos, evidencia-se o contraste entre os neologismos que enriqueceram a arte literária de Seiscentos e os neologismos oriundos de influência francesa, revelando grande apreço pelos primeiros e total desdém pelos segundos: “O neologismo. Esta lepra de que estão mais ou menos iscados os modernos escritos, quer isto venha da ignorância da língua vernácula, quer proceda do frequente uso de livros estrangeiros, nomeadamente franceses […]” (ROQUETE e FONSECA, 1996, XII).
Heinrich Lausberg indica que os neologismos, ou palavras recém-criadas, só poderiam ser utilizados caso surgisse necessidade de “meio funcional do ornatus e maiestas poética” (LAUSBERG, 2011, 122), visto, claro, desde a auctoritas ciceroniana ou dos clássicos renascentistas. Não obstante, a literatura dos sécs. xix e xx veio amplificar a expressividade linguística, descolando-a da auctoritas por meio da experimentação, fragmentação, disrupção e imitação de elementos e tipos de outras geografias culturais. Como tal, verificam-se maravilhosas criações lexicais na arte literária, como podemos testemunhar nas obras de Lewis Carroll, Julio Cortázar ou Mia Couto, o que torna o neologismo um recurso expressivo potenciador de novos e diferentes sentidos e realidades, tornando as fronteiras da linguagem mais ténues. Hoje, estuda-se o neologismo sobretudo no âmbito da comunicação social, digital e redes sociais.
A neologia pode também corresponder, no contexto da teologia, a uma inovação teórica ou doutrinal, como, e.g., as novas doutrinas preconizadas pelos teólogos e filósofos do protestantismo tardio dos sécs. xviii-xix, relacionadas com a teologia do Iluminismo alemão. Contra a doutrina do purismo metodológico e do pietismo dos primeiros protestantes, e promovendo uma emancipação da ortodoxia luterana, estes pensadores, entre os quais se destacam Carl-Friedrich Bahrdt (1741-1792), Johann Salomo Semler (1725-1791) e Johann August Ernesti (1707-1781), estabeleceram uma série de neologismos, ou novas doutrinas e discursos, como a exegese histórico-crítica dos textos bíblicos, o estudo da distinção entre teologia e religião, a defesa da liberdade de pensamento e de consciência dentro da fé e a necessidade da subjetividade espiritual e religiosa para se compreenderem os desígnios das sagradas escrituras. As cidades de Jena, Leipzig e Weimar foram centrais para as redes de conhecimento entre os vários pensadores e outros escritores e artistas, como, e.g., Gotthold Ephraim Lessing, poeta e dramaturgo, autor de Minna von Barnhelm (1767), celebrada comédia do Iluminismo alemão. De certa forma, a neologia veio dar primazia à forma como a crença é individualmente vivida e compreendida, baseando-se na Verstand (“intelecto”, “entendimento”) e Gefühl (“sentimento”), contra os dogmas austeros do luteranismo.
Por fim, nas áreas da medicina e da psiquiatria, o termo refere-se a uma palavra ou expressão criada por um doente do foro psiquiátrico ou neuropatológico (afasia ou esquizofrenia), apenas entendida e usada pelo próprio, que pode ser a combinação, distorção ou abreviação de um ou mais vocábulos, por vezes até de idiomas diferentes ou inventados.
Bibliog.: impressa: BERISTÁIN, Helena, Diccionario de Retórica y Poética, Cidade de México, Editorial Porrúa, 1995; HEIR, Daniel B. et al, Topics in Behavioral Neurology and Neuropsychology: With Key References, Boston, Butterworth Publishers, 1987; LAUSBERG, Heinrich, Elementos de Retórica Literária, trad. e ed. de R. M. Rosado Fernandes, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2011; MAUTNER, Thomas, “Neologismo”, in MURCHO, Desidério (ed.), Dicionário de Filosofia, Lisboa, Edições 70, 2010; PÉREZ, Manuel e ORTIZ, Alberto (coords.), Crónica, Retórica y Discurso en el Nuevo Mundo, Zacatecas/Aguascalientes, Universidad Autónoma de Zacatecas/Centro de Estudios Jurídicos y Sociales Mispat, 2014; ROQUETE, J. I. e FONSECA, José da, Dicionário dos Sinónimos, Poético e de Epítetos da Língua Portuguesa, Amadora, Lello & Irmão Editores/Sistema J, 1996 [ed. original: Diccionario da Língua Portugueza e Diccionario de Synonymos; Seguido do Diccionario Poético e de Epithetos, Paris, em Casa de Guillard, Aillaud, 1883]; digital: ANTUNES, Mafalda, Neologia de Imprensa do Português, Dissertação de Doutoramento em Linguística Geral e Românica – Linguística Portuguesa apresentada à Universidade de Lisboa, Lisboa, texto policopiado, 2012: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/6488/1/ulsd062904_td_Mafalda_Antunes.pdf (acedido a 20.04.2021); Bibliothek der Neologie – Kommentierte Kritische Auswahledition in Zehn Bänden, projeto dirigido por Albrecht Beutel, Universidade de Münster, Universidade de Göttingen e Deutsche Forschungsgemeinschaft: https://bdn-edition.de/index.html (acedido a 20.04.2021); HORNIG, Gottfried, “Neologie”, in RITTER, J. e GRÜNDER, K. (eds.), Historisches Wörterbuch der Philosophie, Basel, Schwabe Verlag, 1984: DOI: 10.24894/HWPh.2723 (acedido a 22.04.2021); KUPERBERG, Gina R., “Language in schizophrenia, part 1: an introduction”, Lang Linguistic Compass, n.º 4, 8, 2010, pp. 576-589: DOI: 10.1111/j.1749-818X.2010.00216.x (acedido a 22.04.2021).
Eduarda Barata