O termo “objeto”, que significa literalmente “algo posto diante de” (em latim, objectum = ob + jectum), não designa, nem em filosofia, nem na ciência, teologia ou espiritualidade, apenas uma coisa física, segundo o sentido que possui na língua corrente, mas algo posto diante da nossa vista, dos nossos olhos ou da nossa perceção. Trata-se, em linhas gerais, do polo conhecido na relação com o polo cognoscente, relação à qual costumamos chamar de consciência. Em suma, o objeto é tudo o que podemos captar, pensar e querer segundo as suas estruturas e as nossas próprias, motivo pelo qual tudo o que existe pode ser apelidado de objeto a partir do momento em que com ele entramos em relação de consciência (uma coisa física, uma emoção, o conteúdo de um desejo, uma pessoa, Deus e assim por diante).
Segundo o vocabulário típico da modernidade, o objeto é tudo o que é observado por um sujeito, o polo cognoscente. Assim, o objeto não é simplesmente algo em si, mas algo enquanto é precisamente “pensado” pelo polo cognoscente, o sujeito com o qual entra em relação. Um exemplo dessa importante distinção reside na afirmação do fenomenólogo Edmund Husserl (1859-1938), quando, ao reagir contra o relativismo, o psicologismo e o positivismo, defende um “retorno às coisas mesmas”. Husserl não pretendia indicar como fundamento da perceção um retorno a cada coisa em si mesma (como num empirismo radical ou algo semelhante), mas um retorno às coisas precisamente como objetos, as coisas na relação de consciência, o que implica a participação ativa da subjetividade no ato de perceber. Afinal, ainda que na perceção tudo se mostre como dado ou doado a nós (ob-jectum), sempre que percebemos algo, percecionamo-lo graças a tudo o que o nosso modo de percecionar traz consigo. De acordo com a experiência (mesmo a mais banal), constata-se ser uma ilusão a crença na possibilidade de uma “total objetividade” no conhecimento, pois nessa mesma objetividade investimos a força da nossa subjetividade, a qual encontra, obviamente, dados objetivos que se nos impõem e guiam a nossa perceção segundo as suas estruturas próprias, mas também conforme as nossas estruturas subjetivas. Quando um polo conhecido se apresenta a um polo cognoscente, já se apresenta em dados subjetivos, o que não é apenas um facto, mas uma necessidade imposta pela própria dinâmica da perceção.
O emprego moderno do termo “objeto”, que praticamente se impôs no vocabulário filosófico-teológico e científico contemporâneo, não foi, porém, o mesmo na história anterior do pensamento ocidental. Não é possível identificar o primeiro autor a empregar o termo, mas entre os pensadores medievais, e.g., que o usavam segundo a receção do pensamento aristotélico, o termo “objeto” costumava ser empregue também em contraposição a “sujeito”, porém, enquanto este designava, em geral, a substância ou o ente (em latim, sub-jectum: “algo posto sob”, especificamente o ente visualizado como subjacente a acidentes, às suas características não essenciais), aquele indicava, também em geral, o alvo ou o que se perceciona no campo das potências, atos e hábitos (habilitações) de um agente.
Para Tomás de Aquino (1225-1274), entre outros, é sobretudo relativamente à ciência que o par sujeito/objeto é usado (cf. TOMÁS DE AQUINO, 2016, I, qq. 84-89): se a ciência pode ser considerada virtude ou habilitação intelectual para lidar com proposições de determinado domínio de conhecimento e como o próprio conjunto das proposições ordenadas de um domínio de conhecimento, então o termo “objeto” aplica-se ao próprio conjunto das proposições de um domínio de conhecimento, ao passo que “sujeito” se emprega para afirmar que proposições científicas têm um mesmo sujeito, no sentido lógico-gramatical do termo. Numa perspectiva teológico-espiritual, o emprego tomasiano ilustra o modo como, na Idade Média e nos séculos posteriores, a teologia é concebida como certo uso da razão aplicado ao que se refere à fé: os enunciados da fé (as suas proposições) constituem o objeto da teologia, mas o seu verdadeiro sujeito ou substância é o próprio Deus, uma vez que a teologia se interessa por tudo sob a perspetiva de tudo na sua relação com Deus.
A espiritualidade, por sua vez, entendida como relação pessoal com o próprio sujeito da fé, fez entender os objetos ou enunciados de fé como simples expressões da adesão a Deus vivida no interior da pessoa que crê (o sujeito, em sentido moderno). Não por acaso, na abertura solene do Concílio Vaticano II, o Papa João XXIII, em continuidade com a mais límpida ortodoxia católica, afirmou que “Uma coisa é a substância do depositum fidei, isto é, as verdades contidas na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas” (JOÃO XXIII, 1962, VI, 5). Assim, quem adere às verdades da fé adere essencialmente, e por experiência espiritual, à sua substância, Deus mesmo, e só acessoriamente às expressões dessa substância, os enunciados ou formulações que a exprimem.
Bibliog.: impressa: CONGAR, Yves, “Théologie”, in VACANT, Alfred et al., Dictionnaire de Théologie Catholique, vol. 15, Paris, Letouzey et Ané, 1946, cols. 341-501; HORVAT, Alexander, “Das subjekt der wissenschaft”, Divus Thomas, n.o 24, 1946, pp. 29-44; NASCIMENTO, Carlos Arthur Ribeiro do, “As duas faces da ciência segundo Tomás de Aquino”, Trans/Form/Ação, n.o 42, 4, 2019, pp. 57-74; TOMÁS DE AQUINO, Comentário ao Tratado da Trindade de Boécio – Questões 5 e 6, trad. de Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento, São Paulo, Editora da UNESP, 1999; Id., Suma de Teologia – Primeira Parte, Questões 84-89, trad. de Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento, Uberlândia, EDUFU, 2016; digital: JOÃO XXIII, Discurso de Sua Santidade Papa João XXIII na Abertura solene do SS. Concílio, Vaticano, Libreria Editrice Vaticana, 1962: https://www.vatican.va/content/john-xxiii/pt/speeches/1962/documents/hf_j-xxiii_spe_19621011_opening-council.html (acedido a 11.10.2021).
Juvenal Savian Filho