Em nenhum evangelho surgem as sete palavras de Jesus na cruz. Para obter este número, é preciso juntar os quatro relatos da Paixão. Sete é o número da perfeição ou plenitude. I: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23, 34). Ao dizer “Pai”, Jesus revela-O no seu poder de perdoar, porque agora está a ser compassivo como o Pai (Lc 6,36). Implora o perdão para os seus algozes e motiva-o: “Não sabem o que fazem”. A sua ignorância deixa a estrada aberta para a conversão. II: “Eu te garanto: hoje mesmo estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Jesus vai entrar na comunhão do Pai e promete ao outro malfeitor o “Paraíso” já, “hoje”. “Paraíso” é a imagem da vida de comunhão do justo com Deus depois da sua morte. III: “Mulher, eis aí o teu filho”. “Filho, eis aí a tua Mãe” (Jo 19, 26-27). Jesus, ao morrer, não deixa a mãe sozinha, confiando-a ao cuidado do discípulo amado, gesto que transcende a simples piedade filial. O tratamento de “Mulher” é o mesmo que usou nas bodas de Caná (cf. Jo 2, 4). Jesus sugere que ao homem novo pertence “a mulher” nova, a nova “geradora de vida” (Heva), que nos apresenta em Maria. É também a proclamação da maternidade espiritual de Maria sobre os fiéis representados por João, que surge como modelo do discipulado. Maria, para a tradição antiga, é figura da Igreja Mãe e da sua maternidade espiritual. IV: Eloí, Eloí, lamá sabactaní, que quer dizer “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15, 34). É o salmo 22 (versículo 1), que a tradição conservou em aramaico. Jesus faz suas as palavras de Israel sofredor, assumindo em Si não só o tormento de Israel, mas o de todos os homens, que sofrem pela ocultação de Deus. É um abandono, que já traz em si a redenção, a vitória do amor. V: “Tenho sede” (Jo 19, 28). Lembra o salmo 69, 22: “Deram-me […] vinagre, quando tive sede”. O ter sede liga-se com a Samaritana. Aquele que pede de beber dará a água (cf. Jo 4, 7; 7, 37-38). O grito de Jesus tem que ver com a nossa sede Deus: “A minha alma tem sede de Ti” (Sl 63, 3). VI: “Tudo está consumado” (Jo, 30). É um grito de triunfo: a obra do Pai anunciada pela Escritura, a salvação do mundo, atingiu a perfeição do amor: “Tudo está completado”. João não relata o grito de desamparo de Mateus 27, 46 e de Marcos 15, 34; ele quis guardar somente a serena majestade dessa morte (cf. Lc 23, 46; Jo 12, 27). VII: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23, 46). A última palavra de Jesus é dirigida ao Pai, embora na aparente ausência deste. Num ato de suprema confiança, Jesus entrega-se ao Pai, entregando tudo e todos nas mãos de Deus.
Bibliog.: Bíblia Do Peregrino, versão e notas explic. de L. Alonso Schökel, São Paulo, Ed. Paulus, 2002; COMASTRI, Angelo, As Últimas Palavras de Jesus, Lisboa, Ed. Paulus, 2020; RATZINGER, Joseph, Jesus de Nazaré, pt. iii, Lisboa, Ed. Principia, 2010.
Simão Cruz