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Sexualidade

Segundo a Organização Mundial de Saúde, a sexualidade é uma dimensão fundamental do ser humano, a qual abrange sexo, identidades e papéis de género, orientação sexual, erotismo, prazer, intimidade e reprodução, podendo ser experienciada em pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, papéis e relações.

A sexualidade humana tem sido estudada, sobretudo a partir do final do séc. xix, por diferentes ciências, como a biologia, a medicina, a psicologia, a antropologia ou a história. Freud é um dos primeiros autores a teorizar a sexualidade numa conceção ampla, enquanto energia pulsional que se pode concretizar de formas distintas. Desde tenra infância, a satisfação das pulsões (do id) encontra censuras sociais e educativas, as quais serão interiorizadas e idealizadas (no superego), enquanto o ego medeia a relação entre aquelas duas estruturas, num processo crucial para a personalidade. O termo “sexualidade” terá surgido entre os sécs. xviii e xix, e, de acordo com Foucault, a sua perceção como sendo abrangente e central na identidade foi incentivada socialmente. Deste ponto de vista, o apelo à verdade e à libertação sexual, e.g. através das ciências, das consultas psicológicas ou até da pornografia (que exemplifica como se supõe ser as relações sexuais), ao contrário do que parece, é um modo de controlar a sexualidade.

Os primeiros estudos empíricos de larga escala (11240 pessoas) foram coordenados por Kinsey, gerando também controvérsia por apontarem, entre outras, para percentagens de masturbação e de comportamentos homossexuais mais elevadas do que socialmente esperado na época. Masters e Johnson iniciaram o estudo laboratorial de anatomia e fisiologia da resposta sexual (com observação de masturbação e ato sexual ao vivo) e criaram uma terapia sexual inovadora de foco sensorial, com concentração nas sensações no momento da atividade sexual.

Diversos avanços científicos contribuíram para a revolução sexual dos anos 60, como, e.g., o desenvolvimento da pílula anticoncecional, que facilitou a separação entre sexo e reprodução. Seguiram-se atitudes sexuais mais permissivas e os movimentos sociais feminista, LGBT ou, mais recentemente, do poliamor, os quais, por seu turno, originaram correntes de investigação.

No final do séc. xx, abordagens participatórias e corporizadas, em vários ramos do saber, esbateram a dualidade corpo-espírito dominante durante séculos, favorecendo a pesquisa da conexão entre espiritualidade, mística e sexualidade. O fenómeno da globalização multiplicou o contacto com espiritualidades não ocidentais, com propostas do ato sexual como forma de ligação com o divino, revelando-se atualmente em conceitos como sexo tântrico ou sexualidade sagrada. Várias investigações empíricas evidenciaram que a religiosidade e a culpa inibiam os comportamentos sexuais, com grande influência da educação e socialização, mas recentemente observou-se que o mesmo não acontece quando se separa espiritualidade de religiosidade. Apresentam-se também relatos científicos de atividades sexuais que, independentemente da religião ou espiritualidade professada, se acompanham de experiências místicas, com sensações de êxtase, transcendência, vivências sagradas, dissolução do eu, união com o todo, presença do divino, alteração da perceção do tempo e espaço, entre outras (e.g., MacKnee). Estas vivências de união entre sexualidade e espiritualidade vão ao encontro de textos sobre místicos como Teresa D’Ávila e têm sido interpretadas como estados não ordinários de consciência, experiências de pico, estados de flow ou de absorção.

A sexualidade pode ser experienciada de diversas formas, como desejo, união, prazer, afeto, poder, etc., pelo que diferentes vivências podem, em parte, explicar as variações na sua relação com a espiritualidade ao longo do tempo (e.g., controlando-a, se o foco é o instinto, advogando-a como modo de atingir um amor mais profundo, incluindo com o divino).

 

Bibliog.: FOUCAULT, Michel, História da Sexualidade, vol. i: A Vontade de Saber, Lisboa, Relógio d’Água, 1994; FREUD, Sigmund, Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, Lisboa, Relógio d’Água, 1990; FUREY, Constance M., “Sexuality”, in HOLLYWOOD, Amy e SALINBECKMAN, Patricia Z. (dirs.), The Cambridge Companion to Christian Mysticism, New York, Cambridge University Press, 2012, pp. 328-340; GARTON, Stephen, Histories of Sexuality: Antiquity to Sexual Revolution, London, Equinox, 2004; KINSEY, Alfred C. et al., Sexual Behavior in the Human Male, Philadelphia, W. B. Saunders, 1948; Id., Sexual Behavior in the Human Female, Philadelphia, W. B. Saunders, 1953; LYONS, Andrew P. e LYONS, Harriet D., Irregular Connections: A History of Antropology and Sexuality, Lincoln, University of Nebraska Press, 2004; MACKNEE, Chuck M., “Profound sexual and spiritual encounters among practicing Christians: a phenomenological analysis”, Journal of Psychology and Theology, n.º 3, 30, 2002, pp. 234-244; MALKEMUS, Samuel Arthur e THOUIN-SAVARD, Marie I. (coords.), “Special topic section on transpersonal sexuality: bringing sexy back to transpersonal studies”, International Journal of Transpersonal Studies, n.º 1, 38, 2019, pp. 59-235; MASTERS, William H. e JOHNSON, Virginia E., Human Sexual Inadequacy, Boston, Little, Brown, 1970; WORLD HEALTH ORGANIZATION, Defining Sexual Health: Report of a Technical Consultation on Sexual Health, Geneva, 28-31 January 2002, Geneva, World Health Organization, 2006.

 

Guilhermina Pizarro

Autor

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