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Símbolo

Entende-se por “símbolo”, em termos gerais, qualquer item (e.g., um objeto, imagem ou palavra) que refere outra entidade diferente dele mesmo. Deste modo, faz parte da estrutura fundamental de significação, visto que, mesmo que designe prima facie uma entidade sensível e material, traduz realmente a capacidade mental de articulação cognitiva intrínseca ao ato de referência.

Como sublinha Goodman (1968), estamos em face de um termo primitivo, no sentido de que não pode ser definido por qualquer outro. Deste modo, só pode ser analisado nos seus componentes, visto que um termo primitivo é um “transcendental”, em sentido kantiano, ao apresentar-se como condição de inteligibilidade de uma experiência, não sendo, no entanto, compreensível por uma outra noção. O símbolo é, assim, um termo primitivo que caracteriza toda e qualquer operação de referência. Qualquer entidade pode tornar-se num símbolo se tiver a propriedade de estar em vez de algo, i.e., o seu referente. Deste modo, não se aplica apenas aos caracteres e às palavras da linguagem verbal, mas encontra-se presente em todas as formas de expressão, como, e.g., os números, as cores ou traços da pintura, assim como os sinais que podemos detetar numa pauta musical.

A palavra “símbolo” é de origem grega (σύμβολον), designando primordialmente um fragmento de madeira que era partido em dois pedaços, permitindo a sua reconstituição posterior e, assim, possibilitando a pessoas distintas o reconhecimento posterior e a identificação dos intervenientes nesta operação. Simbolizar significava o ato de unificação, o lançar em conjunto, contrapondo-se, assim, à dispersão e à divisão, designada justamente como algo diabólico (διάβολος, “lançar, dividindo”). “Símbolo” designa, assim, neste contexto, um signo de reconhecimento, mas também a unidade fundamental entre dois elementos, por um lado o objeto sensível, como, e.g., um anel, e, por outro, a sua significação, a saber, a fidelidade. Esta raiz etimológica e cultural do termo “símbolo” permite reconhecer analiticamente dois elementos: o simbolizante e o simbolizado. Neste exemplo, o anel, enquanto objeto material, é o simbolizante, sendo a fidelidade o simbolizado, podendo-se assim concluir que o símbolo do anel constitui o ato mental de comunhão através do qual se opera a unificação de dois elementos, unificação essa que expressa a relação de referência em que o simbolizante constitui o veículo material que remete para a significação simbolizada.

A atividade mental de referência, inerente ao pensamento simbólico, pode ser perspetivada segundo duas direções: como denotação e como exemplificação (GOODMAN, 1968). A denotação traduz a relação simbólica entre o simbolizante e a coisa referenciada, assente numa relação convencional, no limite arbitrária. A palavra “arte”, e.g., não tem em si mesma nada de artístico, sendo utilizada convencionalmente na língua portuguesa para referir o universo dos mundos que lhe são subsumidos. Desde que esteja integrada na organização dos símbolos da língua portuguesa, o termo arbitrário e convencional “arte” (o fonema ou som) é tão apropriado ao conceito que refere como os fonemas “Kunst”, em alemão, ou “sztuka”, em polaco. Esta categoria de símbolos é semelhante às etiquetas usadas nas lojas, permitindo a identificação dos produtos, mas a sua relação com o objeto referenciado é meramente convencional. Eles estão presentes na nossa linguagem verbal – com a exceção das onomatopeias –, na escrita musical, na própria pintura e na lógica formal.

Para lá da denotação, o símbolo pode igualmente exemplificar. A exemplificação é uma das propriedades fundamentais dos símbolos artísticos. Segundo Goodman (1968), podemos perspetivar os próprios objetos anteriormente denotados como símbolos, e, se o fizermos, são os próprios objetos que simbolizam as etiquetas que os denotam. O processo de referência tradicional que vai da etiqueta à coisa etiquetada é invertido, tornando-se o objeto denotado o próprio símbolo da etiqueta anteriormente utilizada. Um objeto que refere determinada etiqueta ou propriedade da mesma, diz-se que a exemplifica. Podemos ter uma compreensão intuitiva desta questão se pensarmos nos catálogos de tintas ou de tecidos. As amostras exibem um conjunto seletivo de propriedades referenciadas e, deste modo, pode-se dizer que as exemplificam. A amostra não exemplifica todas as propriedades que possui, mas apenas aquelas que se deixam subsumir num determinado sistema de símbolos. Uma amostra de tecidos, e.g., exemplifica a cor e o tipo de tecido, mas não o tamanho e a forma. A principal diferença entre a etiqueta e a amostra é que esta última possui as propriedades que refere, enquanto a primeira, a etiqueta, não. Exemplificação é, assim, nas palavras de Goodman, “posse mais referência” (1968, 53).

O filósofo americano considera, ainda, a existência de um tipo especial de exemplificação simbólica, a saber, a expressão. “O que é expresso é metaforicamente exemplificado. O que exprime tristeza é metaforicamente triste. E o que é metaforicamente triste é efetivamente triste, mas não literalmente” (GOODMAN, 1968, 85). A expressão enquanto tipo de exemplificação contém em si a propriedade que designa, mas de uma forma metafórica, o que implica todo um trabalho de interpretação. Uma pintura predominantemente cinzenta, e.g., pode expressar tristeza, embora a cor cinzenta não seja literalmente triste. Segundo Ricoeur (1965, 18), estamos, deste modo, em face de um símbolo genuíno, na medida em que exige um duplo sentido ou referência desdobrada. Uma expressão metafórica, e.g., é simbólica, visto que somos capazes de transcender o sentido literal das palavras e apreender um sentido figurado. Daí a sua utilização recorrente no simbolismo, em particular no simbolismo religioso e místico. Com efeito, o símbolo enquanto representação indireta de um conceito permite ampliar o nosso pensamento em direção a vertentes consideradas inefáveis.

O símbolo tem sido, por sua vez, um conceito central nas ciências humanas, em particular na antropologia. Neste contexto, Cassirer (1944) estabeleceu uma distinção entre signo e símbolo, defendendo que a forma simbólica implica uma função significativa e não apenas ostensiva. O nome próprio, e.g., não refere apenas alguém, mas constitui o veículo que nos permite pensar essa pessoa. Defender o contrário seria confundir o símbolo com o simbolizante, esquecendo assim que o símbolo é antes de mais operação de sentido, uma função, i.e., a função simbólica. Esta vertente foi explorada igualmente por Suzanne K. Langer (1942) e Clifford Geertz (1993). Lévi-Strauss, por sua vez, ampliará esta visão mostrando que qualquer “cultura pode ser considerada como um conjunto de sistemas simbólicos na primeira linha dos quais se colocam a linguagem, as relações de parentesco, as relações económicas, a arte, a ciência e a religião” (1950, XIX).

 

Bibliog.: ALLEAU, R., La Science des Symboles. Contribution à l’Étude des Principes et des Méthodes de la Symbolique Générale, Paris, Payot, 1976; CASSIRER, E., An Essay on Man. An Introduction to a Philosophy of Human Culture, New York, Doubleday, 1944; CHEVALIER, J. e GHEERBRANT, A., Dictionnaire des Symboles. Mythes, Rêves, Coutumes, Gestes, Formes, Figures, Couleurs, Nombres, Paris, Robert Laffont, 1969; CORREIA, C., Ricoeur e a Expressão Simbólica do Sentido, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1999; DURAND, G., L’Imagination Symbolique, Paris, PUF, 1964; ELIADE, M., Images et Symboles. Essais sur le Symbolisme Magico-Religieux, Paris, Gallimard, 1952; GEERTZ, C., The Interpretations of Cultures, New York, Basic Books, 1993; GOODMAN, N., The Languages of Art. An Approach to a Theory of Symbols, Indianapolis, Hackett Publishing Company, 1968; LANGER, S. K., Philosophy in a New Key. A Study in the Symbolism of Reason, Rite and Art, Cambridge, Harvard University Press, 1942; LÉVI-STRAUSS, C., “Introduction à l’oeuvre de Marcel Mauss”, in MAUSS, M., Sociologie et Anthropologie, Paris, PUF, 1950; MERTON, T., “Symbolism. Communication or communion?”, in Love and Living, London, Sheldon Press, 1965; MORRIS, C., Foundations of the Theory of Signs, Chicago, The University of Chicago Press, 1938; OGDEN, C. K e RICHARDS, I. A., The Meaning of Meaning. A Study of the Influence of Language upon Thought and the Science of Symbolism, New York, Harcourt, Brace & Company, 1923; PEIRCE, C. S., Collected Papers of Charles Sanders Peirce, Cambridge, Harvard University Press, 1931; RICOEUR, P., De l’Interprétation. Essai sur Freud, Paris, Seuil, 1965; SILVA, C., “Da natureza anfibológica do símbolo – A propósito do tema: ‘mito, símbolo e razão’”, Didaskalia, n.º 12, 1, 1982, pp. 45-65; TODOROV, T., Théories du Symbole, Paris, Seuil, 1977; WHITEHEAD, A. N., Symbolism. Its Meaning and Effect, New York, Macmillan, 1927.

 

Carlos João Correia

 

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