A taça é um meio comum de levar as bebidas à boca. Os gregos usavam o termo kulix, de onde passou ao latim (cálix) e ao português (“cálice”). O Novo Testamento não usa este termo, mas potêrion. Também é certo que na eucaristia católica se usa sempre o termo “cálice”.
Os povos primitivos bebiam pelos recipientes onde guardavam a água ou o vinho ou usavam pequenos recipientes em madeira ou barro, que podem ser considerados as primeiras taças. A taça, como instrumento de bebida numa refeição, é, pois, relativamente tardia e encontra-se sobretudo nos ambientes requintados dos nobres e dos reis ou nas refeições sagradas, em honra dos deuses. É sobretudo nos banquetes sagrados ou litúrgicos que a taça é usada com valor simbólico, espiritual.
Taça da adivinhação
O valor simbólico da taça vem, em primeiro lugar, do vinho ou da água que são bebidos e partilhados em família ou em ambientes festivos. E, como não se pode viver sem beber, neste caso, a taça simboliza a vida; e, se o conteúdo da taça é vinho, significa também a festa em que se participa. Por ser usada nos banquetes sagrados e fazer parte das refeições dos deuses, a taça era utilizada para adivinhar a vontade dos mesmos. Este facto aparece no episódio dos irmãos de José: a taça que este usava para adivinhação foi metida no saco do seu irmão Benjamim. O servo de José queixou-se, dizendo: “‘É precisamente por essa taça que bebe o meu senhor, e é dela que ele se serve para adivinhar’” (Gn 44, 5.15). Muitas vezes deitavam uma gota de azeite na taça cheia de água e aí encontravam sinais do futuro. A Bíblia proibiu, mais tarde, tais adivinhações (Dt 18, 10-11).
Como símbolo de vida, esta pode ser feliz ou infeliz, conforme o conteúdo da taça. É neste sentido que a taça/cálice pode ser símbolo da festa e da aliança, mas também da traição e da morte.
Taça da festa e da aliança
A taça, mais ou menos rica, frequentemente de ouro, era um dos sinais de festa dos grandes banquetes. As próprias taças utilizadas na liturgia do templo de Jerusalém foram roubadas pelos babilónios, cujo rei as utilizava nos seus banquetes (Dn 5, 1-4): “Todas as taças do rei Salomão eram de ouro, e de ouro fino eram igualmente todas as taças da casa da Floresta do Líbano” (1 Rs 10, 21).
A taça do banquete, símbolo da festa de família ou dos banquetes de aliança, adquiriu o valor teológico da festa da aliança. Adivinhamos por que motivo Jesus utilizou a taça na sua Ceia de despedida: quis fazer uma nova aliança com a humanidade. Era também num banquete, e bebendo da mesma taça, que se faziam as alianças, algo semelhante ao que ainda hoje acontece nos banquetes realizados após a assinatura de contratos ou decisões importantes entre dois países. Beber da mesma taça é sinal de familiaridade, intimidade (2Sm 12, 3; cf. Sl 16 ,5; 23, 5; 116, 12-13).
Na liturgia bíblica, a taça, de prata ou de ouro, aparece frequentemente referida como sinal de aliança com Deus: uma parte do líquido (água ou vinho) era derramada no sopé do altar, em sinal de comunhão com Deus, representado no altar. Ben Sira descreve este ritual, a propósito do Sumo Sacerdote Simão: “Estendia a mão sobre a taça e oferecia a libação do suco da uva, derramando-o ao pé do altar, perfume agradável ao Altíssimo, rei do universo”. Segue-se um solene ritual, com os sacerdotes, cantores e todo o povo a louvar a Deus (Eclo 50, 15ss). Pode dizer-se que este ritual pertencia ao sacrifício de comunhão. Esta comunhão com Deus é expressa, no Apocalipse, com “as taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos” (Ap 5,8).
Mas esta comunhão com Deus pode tornar-se uma rutura com o mesmo Deus, quando se faz comunhão com as divindades, que se opõem a Ele. É neste sentido que o próprio Paulo dizia, a este propósito: “Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demónios; não podeis participar da mesa do Senhor e da mesa dos demónios. Ou quereis provocar a ira do Senhor?” (1Cor 10, 21-22).
Taça do sacrifício e da morte
Frequentemente, a taça aparece como símbolo da morte, dado que, nos banquetes festivos, era muitas vezes utilizada com o intuito de matar: deitava-se veneno no vinho de alguém que se queria eliminar. Era um processo tão frequente, que os reis e outros senhores importantes tinham o seu copeiro, não apenas para servir bons vinhos, mas também para assegurar que ninguém colocava veneno nas suas taças. Portanto, tal como acontece com outros símbolos, o vinho pode simbolizar a festa e o seu contrário, a morte. É neste sentido que Ezequiel afirma: “Assim fala o Senhor Deus: Beberás a taça da tua irmã, taça grande e funda; será objeto de escárnio e de vergonha; é abundante o seu conteúdo. Ficarás repleta de embriaguez e dor. É uma taça de horror e destruição, a taça da tua irmã Samaria” (Ez 23, 32-33).
As sete pragas, ou sete flagelos, do Apocalipse são justamente simbolizadas por sete taças da ira divina, que são derramadas sobre o mundo, originando diferentes calamidades (Ap 15, 7-16, 21). A Babilónia é o símbolo de todas as forças que se opõem a Deus. Por isso, o Apocalipse descreve esta força do mal, em termos de infidelidade e prostituição, com uma taça cheia das abominações (Ap 17, 4-7; cf. 18, 6; 21, 9; Jr 51, 7).
Taça de Jesus e do cristão
No tempo de Jesus e nos evangelhos, a taça simbolizava a alegria do banquete escatológico e, portanto, o banquete de comunhão; mas simbolizava também a taça do sofrimento e de morte, que se encontra claramente no texto da oração de Jesus no Getsémani: “‘Meu Pai, se este cálice não pode passar sem que Eu o beba, faça-se a tua vontade!’” (Mt 26, 42; Mc 14, 36; Lc 22, 42).
Texto típico deste mesmo simbolismo é o episódio da mãe dos filhos de Zebedeu, que pediu a Jesus para dar aos seus dois filhos o melhor lugar no reino político, que Jesus, supostamente, iria inaugurar em Jerusalém. Jesus responde-lhe em termos de taça/cálice, como sinal do sacrifício e da morte, que é exigida também aos seus discípulos: “‘Podeis beber o cálice que Eu estou para beber?” Eles responderam: ‘Podemos’. Jesus replicou‑lhes: ‘Na verdade, bebereis o meu cálice […]’” (Mc 10, 38).
Neste caso, a taça/cálice torna-se o símbolo, não simplesmente de uma morte ou de um destino qualquer, mas de uma vida dada em sacrifício pelos outros, a exemplo de Jesus, que veio dar a vida totalmente, como cordeiro pascal.
Taça da eucaristia
Tudo quanto acabamos de dizer a respeito da taça leva-nos, naturalmente, à taça da eucaristia. Poderíamos dizer que aqui se recolhe toda a riqueza do simbolismo ligado à taça/cálice no Antigo Testamento e noutra literatura do tempo de Jesus. A taça da eucaristia simboliza, pois, “o dom da vida em resgate por todos” (Mc 10, 45), i.e., uma oferta sacrificial do Filho de Deus pela humanidade inteira: “[…] Depois tomou o cálice, deu graças e entregou-lho. Todos beberam dele e disse-lhes: ‘Isto é o meu sangue da aliança, que vai ser derramado por todos’” (Mc 14, 23-24; cf. Mt 26, 27-28; Lc 22, 17-18; Jo 18, 11; 1Cor 11, 25).
Beber a taça da eucaristia é receber a nova vida que Jesus trouxe ao mundo. Mas esta vida está também na sua Palavra, que se deve “comer”, antes de “beber” o cálice. Deste modo, a taça da eucaristia realiza verdadeiramente o que em muitas culturas é apenas sinal de imortalidade: quem recebe a vida do Filho de Deus não pode morrer para sempre e participa na vida do próprio Deus.
Bibliog.: ALVES, Herculano, “Taça (Cálice)”, in 50 Símbolos na Bíblia, Fátima, Difusora Bíblica, 2017, pp. 487-494; “Coupe”, in Dictionnaire Encyclopédique de la Bible, Paris, Brépols, 1987, pp. 308-309; LÉON-DUFOUR, Xavier, “Coupe”, in Vocabulaire de Théologie Biblique, Paris, Éd. du Cerf, 1964, cols. 167-168.
Herculano Alves