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Universal

Diz-se do que é comum a uma totalidade, da propriedade comum aos membros particulares de um conjunto ou da relação exemplificada por distintos particulares.

De uma enigmática formulação na Isagoge de Porfírio acerca dos géneros e das espécies, e na esteira, primeiro, de Boécio e, depois, de Abelardo, a Idade Média configurou e legou até hoje o ainda em aberto “problema dos universais”. Situado entre as palavras e as coisas, um conjunto ou uma semelhança de propriedades introduz problemas em que se entrecruzam doutrinas da linguagem, do conhecimento e da indução (ou também da ciência), bem como da ontologia. As posições que congraçam todas essas doutrinas situam-se entre o “realismo” (como em Platão), que defende a existência dos universais como independentes e anteriores aos particulares (universalia ante rem), e o “nominalismo” (como em Guilherme de Ockham), segundo o qual os universais são meras manifestações da linguagem (flatus vocis). No espaço intermédio desta dupla configuração, também dita in re/in voce, situam-se as posições (como em Aristóteles) que veem as características universais nas próprias coisas (universalia in re) e as que (como em Alberto Magno ou Tomás de Aquino) as veem como conceitos criados pela mente (universalia post rem). Por mais pragmáticas ou didáticas que estas divisões sejam, elas são, porém, amplamente discutíveis, tal como revelam o devir neoplatónico da teoria aristotélica da abstração, o “arrealismo” ou “sermonismo” (sermo) de Abelardo, o “estaísmo” (haecceitas) de João Duns Escoto ou a rejeição do realismo por João Buridano.

A partir do séc. xx, sobretudo sob o tópico das “propriedades”, privilegiam-se formas mitigadas de realismo (depois de Carnap, com Bertrand Russell, e nalguma filosofia da matemática), mas o nominalismo continua a ser uma solução apresentável, e.g. no “mereologismo” e no “holomerismo” (diz-se que uma entidade x se encontra holomericamente presente noutra, y, se e somente se y for constituída de partes e em cada uma delas estiver todo o x). A falácia da reificação denuncia que as propriedades são tomadas como coisas.

Noutra clave, como em Hegel, também se pode falar de “universal concreto”, i.e., da efetividade como um todo, e respetivo sistema racional englobante; de igual modo, pode dizer-se que uma experiência mística resulta da identidade entre individual e universal.

 

Bibliog.: ARMSTRONG, David Malet, Nominalism and Realism. Universals and Scientific Realism, vol. 1, Cambridge/London, Cambridge University Press, 1978; CARVALHO, Mário Santiago de, Lógica e Paixão. Abelardo e os Universais, Coimbra, Minerva, 2001; LIBERA, Alain de, L’Art des Généralités. Théories de l’Abstraction, Paris, Aubier, 1999; PASNAU, Robert, Metaphysical Themes: 1274-1671, Oxford, Oxford University Press, 2011.

 

Mário Santiago de Carvalho

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