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Teleologia

Conceito que tem a sua origem na palavra grega telos, que significa “fim” ou “finalidade”. O pensamento teleológico pode ter uma orientação ontológica, na medida em que se admita que a ordem natural das coisas (no limite, a ordem do próprio cosmos) as conduz à realização de uma certa finalidade, inscrita na sua própria natureza, ou, simplesmente, ter uma orientação metodológica, na qual se admite, apenas, que a explicação para certos fenómenos (nomeadamente os de natureza física e, em particular, os de natureza biológica) se torna mais clara se admitirmos – sem o podermos demonstrar completamente – que eles se comportam teleologicamente.

O exemplo clássico de uma conceção teleológica da realidade, ontologicamente orientada, é a filosofia de Aristóteles. Com efeito, Aristóteles admitia que todos os seres (e não apenas os seres vivos, mesmo que o modelo biológico tenha sido determinante) existem tendendo para a realização da sua natureza ou essência. Por isso Aristóteles os designa por “enteléquias”: seres que vivem na realização do telos que lhes é próprio. Assim, e.g., um corpo “pesado”, se for arrancado violentamente ao seu estado de imobilidade, tenderá a recuperá-lo naturalmente. Da mesma forma, um vegetal tenderá a desenvolver tudo aquilo que está contido na sua semente, tal como os animais cumprem um círculo vital – do momento da conceção até à morte – atravessando todas as fases que lhes prescreve a essência da espécie a que pertencem. Inclusive o ser humano se encontra sujeito a esta lei, embora o Homem, dotado de uma alma racional, tenha uma finalidade diferente da das restantes espécies vivas, a saber: contemplar as essências imutáveis e eternas. O pensamento medieval encontra-se na estreita dependência desta conceção aristotélica, não apenas do ponto de vista físico-cosmológico (daí falar-se de uma prova teleológica da existência de Deus, na medida em que a perfeição do mundo criado parece reenviar para um ser absolutamente perfeito que seja o seu criador), mas também de um ponto de vista antropológico. Neste último caso, a conceção aristotélica é completada pela ideia de Homem que tem a sua origem no pensamento cristão, segundo a qual o fim último do Homem é a compreensão e o amor de Deus.

O surgimento e desenvolvimento da física moderna, a partir do séc. xvii, acarretou um enfraquecimento do pensamento teleológico. Com efeito, a conceção mecânica do mundo, que podemos encontrar quer em físicos como Galileu, quer em filósofos como Descartes, previligia as causas eficientes e tende para a eliminação das causas finais. O mundo cartesiano, composto de partículas elementares que se relacionam entre si de acordo com as leis do choque, não dá lugar à presença de uma qualquer finalidade. Leibniz, contudo, estudando o fenómeno da refração de raios luminosos que atravessam meios de densidade diferente e constatando uma relação entre o ângulo de incidência dos raios e a densidade do meio que estes atravessam, procurará recuperar as causas finais para a física, defendendo que a diferença entre os dois tipos referidos de causalidade é apenas uma diferença que diz respeito à linguagem com que se explicam certos fenómenos, e não à natureza dos fenómenos em si mesmos. No fundo, para Leibniz, tratar-se-ia de duas orientações metodológicas diferentes para o estudo de um substrato ontológico idêntico.

Em geral, o pensamento do séc. xviii será avesso às considerações de natureza teleológica, preferindo os modelos mecanicistas, tanto no estudo dos fenómenos físicos como no estudo dos fenómenos biológicos. Aliás, já em Descartes encontráramos uma conceção inteiramente mecanicista do corpo (humano ou animal), em parte influenciada pelos estudos anatómicos que se generalizam no seu tempo, sendo de mencionar, pela sua importância, a descoberta dos mecanismos da circulação sanguínea pelo médico inglês William Harvey. Em pleno séc. xviii, a teoria do “homem-máquina” do iluminista francês La Mettrie é uma consequência destas ideias, mas radicalizadas num sentido não cartesiano, na medida em que seria o próprio mecanismo das causas eficientes que explicaria as funções ditas espirituais, as quais em Descartes, todavia, estavam reservadas a uma substância própria, chamada “substância pensante”, independente do corpo.

Kant, todavia, no final do século, reabilitará o pensamento teleológico, embora de uma forma muito particular, na sua Crítica da Faculdade de Julgar. Com efeito, Kant negará qualquer valor determinante aos juízos teleológicos. Isto significa que eles nunca poderão determinar um fenómeno no seu ser, relativamente ao entendimento humano; porém, existem fenómenos, em particular os de natureza biológica, que, uma vez determinados por princípios físicos, deixam ainda ao entendimento a impressão de algo neles permanecer por explicar. Uma reflexão sobre tais fenómenos poderá encontrar lugar para pensar neles teleologicamente, sem que, no entanto, tal pensamento possa vir a ter carácter determinante. Kant, porém, vai ainda mais longe. Admite que as ideias de carácter teleológico possam adquirir um valor heurístico, ou seja, conduzir o entendimento a uma descoberta de novas características e propriedades dos fenómenos, que, guiado apenas pelos princípios determinantes, o entendimento nunca conseguiria realizar. Embora a teleologia, em Kant, tenha apenas um valor metodológico, ela é conduzida tendo em vista a realização de uma unidade da experiência – ou seja, de uma unificação dos fenómenos segundo leis cada vez mais gerais – que o pensamento mecanicista, por si só, não poderá levar a cabo.

Mais recentemente, a partir de meados do séc. xx, o pensamento teleológico recebeu um novo impulso, embora desligado, tanto dos pressupostos ontológicos subjacentes à teleologia de Aristóteles, quanto dos supostos metodológicos da filosofia de Kant. Foi o modelo cibernético que deu uma nova vida às conceções teleológicas da realidade física, nomeadamente naqueles campos em que certas alterações na estrutura molecular dos corpos originam um movimento tendente ao restabelecimento de um estado de equilíbrio, embora em condições diferentes daquela que antecedeu as referidas alterações. As propriedades teleológicas, nestes contextos, aparecem não em oposição às propriedades puramente físicas, mas como propriedades exigidas pela descrição, em termos físicos, do comportamento de certos sistemas.

 

Bibliog.: ARISTOTE, Les Parties des Animaux, trad. de Pierre Louis, Paris, Les Belles Lettres, 1956; HULL, David L., The Metaphysics of Evolution, Albany, State University of New York Press, 1989; KANT, Immanuel, Crítica da Faculdade do Juízo, trad. de António Marques e Valério Rohden, Lisboa, INCM, 1992; MARQUES, António, Organismo e Sistema em Kant, Lisboa, Editorial Presença, 1987; SOBER, Elliott (ed.), Conceptual Issues in Evolutionary Biology, 2.ª ed., Cambridge, The MIT Press, 1994.

 

Carlos Morujão

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