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Cânone

Conjunto de textos que uma dada comunidade religiosa (em particular, determinada Igreja: o conceito é de origem cristã) tem por divinamente inspirados; em virtude deste seu estatuto, considera-se que são dotados de uma autoridade infalível, pelo menos em tudo quanto diga respeito à salvação do ser humano. Se o termo “cânone” – mais concretamente, uma sua forma participal – é usado pela primeira vez no sentido exposto por Atanásio, na carta pascal de 367 – carta em que este elenca os 27 livros que, no início do 3.º milénio, constituem o Novo Testamento –, a Igreja já se vinha debatendo com o problema do cânone (do grego kanon, uma espécie de vara de medição; cf. o português “cana”) desde, pelo menos, Marcião (†160), que só reconhecia o Evangelho de Lucas (numa versão algo diferente da que nos chegou) e certas cartas paulinas.

Também o cânone judaico parece não ter sido fixado senão após a destruição do Templo: 4Es 12, 45-46 é o primeiro texto em que se menciona a existência de um corpus de 24 livros sagrados (a identificar com aqueles que compõem a Tanach). Por razões linguísticas e cristológicas, este cânone foi preterido pela nascente comunidade cristã, que adotou antes, como coleção de escritos veterotestamentários inspirados, a quase totalidade da Septuaginta, tradução grega, produzida sob os Ptolomeus, da Lei, dos Profetas e de um conjunto amplo de livros sapienciais e históricos da tradição judaica (alguns originais alexandrinos). Aqueles, de entre estes, que não foram posteriormente canonizados pelo judaísmo rabínico são tidos por apócrifos pelos protestantes; reagindo contra estes últimos, a Igreja Católica reafirmou dogmaticamente, em Trento (decreto De Canonicis Scripturis, de 4 de abril de 1546), o lugar, no seu cânone, desses livros, chamados na tradição romana de “deuterocanónicos”. Refira-se, por fim, que outras Igrejas consideram ainda outros livros como inspirados, a mais inclusiva de todas, a Etíope, cujas Escrituras somam 81 livros.

 

Bibliog.: GILBERT, M., “Cânon das Escrituras”, in LACOSTE, J.-Y. (dir.), Dicionário Crítico de Teologia, São Paulo, Loyola/Paulinas, 2004, pp. 337-343; MANGENOT, E., “Canon des livres saints”, in VACANT, A. et al. (dir.), Dictionnaire de Théologie Catholique, t. 2, Paris, Letouzey et Ané, 1903-1947, cols. 1550-1605; McDONALD, L., “Canon (of Scripture)”, in FERGUSON, E. (ed.), Encyclopedia of Early Christianity, 2.ª ed., New York/London, Routledge, 1999, pp. 205-211; McDONALD, L., The Biblical Canon: Its Origin, Transmission, and Authority, 3.ª ed., Grand Rapids (MI), Baker Academic, 2011; McDONALD, L. e SANDERS, J. (ed.), The Canon Debate, Peabody (MA), Hendrickson Publishers, 2002; LIM, T., The Formation of the Jewish Canon, Yale, University Press, 2013; PAUL, A., A Inspiração e o Cânon das Escrituras: História e Teologia, Lisboa, Difusora Bíblica, 1987.

 

João Diogo Loureiro

Autor

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