O termo “juízo” pode ter vários significados. Um deles remete para a noção de avaliação, aplicando-se, neste caso, a uma ação, para verificar se ela está ou não conforme a uma determinada norma. É o significado que possuía o termo “judicium”, em latim. Mas “juízo” pode traduzir também o latino “sententia”, nomeadamente quando o termo é aplicado em contexto jurídico: neste caso, trata-se de uma decisão sobre a culpabilidade ou não de determinado indivíduo e a consequente determinação da pena a que será condenado, no caso de ser culpado.
Porém, o termo “juízo” tem o seu uso mais generalizado no âmbito da lógica, equivalendo ao grego “logos”, na medida em que este, no dizer de Aristóteles, no seu Tratado sobre a Interpretação, é um leguein ti katá tinós, i.e., um dizer alguma coisa acerca de uma outra coisa. Neste último sentido, o juízo é uma proposição ou asserção composta por um sujeito (aquilo acerca de que se diz: katá tinós) e um predicado (aquilo que se diz disso), ligados por uma palavra designada por “cópula”, normalmente o verbo “ser”, na terceira pessoa do singular do presente do indicativo. Enquanto leguein ti katá tinós, o juízo pode ser verdadeiro ou falso; no caso de ser verdadeiro, fala-se, habitualmente, da sua adequação (em latim, adaequatio) àquilo a que se refere. (No final do séc. xix, o lógico e matemático Gottlob Frege defenderá que todo o juízo verdadeiro recebe ainda o meta-predicado “é verdade”; assim, “S é p” seria o equivalente a “é verdade que S é p”.)
Na lógica clássica, era habitual distinguir-se os juízos relativamente à qualidade e à quantidade. Assim, em relação à qualidade, eles podem ser afirmativos ou negativos; em relação à quantidade, podem ser universais, particulares ou singulares. Aristóteles estudou em profundidade uma operação a que os juízos universais e particulares podem ser submetidos, a que chamou “conversão”: um juízo do tipo “Todo o S é p” (universal afirmativo) pode ser convertido em “Algum P é s” (particular afirmativo); um juízo do tipo “Nenhum S é p” (universal negativo) pode ser convertido em “Nenhum P é s” (igualmente universal negativo); “Algum S é p” (particular afirmativo) converte-se no particular afirmativo “Algum P é s”; um juízo particular negativo não admite conversão, pois da negação de algumas coisas nada se pode concluir sobre as restantes.
No séc. xvii, Leibniz foi dos autores que mais profundamente refletiram sobre a natureza do juízo. Embora pretendesse situar-se na continuidade de Aristóteles, introduziu algumas inovações na conceção aristotélica, a mais importante das quais ficou conhecida pelo adágio latino praedicatum inest subjectum. O que Leibniz defende é que em todo o juízo afirmativo verdadeiro o predicado está contido em (inest, “está em” ou “é inerente a”) o sujeito. Mas Leibniz acrescenta que nem todos os predicados estão contidos da mesma forma no sujeito: há aqueles que dele decorrem necessariamente, no sentido em que não se pode pensar o sujeito sem o predicado sem que, ao mesmo tempo, se esteja a violar o princípio de não-contradição; mas há também aqueles predicados que só virtualmente, ou de forma contingente, estão associados ao sujeito, uma vez que, não decorrendo da essência deste, apenas lhe pertencem porque as circunstâncias em que o sujeito existe assim o determinaram.
As lógicas mais recentes têm introduzido algumas modificações na teoria clássica do juízo. Aristóteles admitia que um juízo do género “Todo o S é p” continha uma implicação existencial, i.e., que existiriam s1, s2, s3, …sn tais que “p” seria um predicado de cada um eles. Atualmente, a tendência da lógica é considerar que apenas os juízos particulares afirmativos contêm uma tal implicação, exprimindo os juízos universais afirmativos apenas uma relação de ordem conceptual. Nesta perspetiva, um juízo como “Todo o S é p” equivaleria a “para todo o X, se X é S, então X é p”. Já um juízo particular afirmativo equivaleria a “existe um X tal que X é S e X é p”.
Mas para autores como Frege, assim como, mais tarde, para Bertrand Russell, a própria forma lógica do juízo – um sujeito e um predicado relacionados por uma cópula – revela-se inadequada para exprimir o dinamismo do pensamento. Tal forma representa apenas o modo como a gramática das línguas naturais exprime a relação entre um objeto e o seu conceito. Para fins pragmáticos, nomeadamente para efeitos de comunicação entre dois ou mais indivíduos, esta forma poderá não mostrar demasiados inconvenientes, mas o mesmo já não acontece quando precisamos de entender o modo como o pensamento procede na ciência. Assim, por exemplo, num juízo que, gramaticalmente, se exprime pela asserção “Lisboa é a capital de Portugal”, o dinamismo do pensamento não se manifestou na relação do predicado nominal “capital de Portugal” com o sujeito “Lisboa”. Na verdade, diz Frege, o pensamento procede relacionando elementos de dois conjuntos (a tais elementos Frege chamará “variáveis”) – neste caso, o conjunto dos países e o conjunto das cidades capitais – por meio de um conceito (que Frege designará também por “função”), a saber, o conceito “ser capital de”. A fórmula do juízo não será já “S é p”, mas sim y = (F)x. No exemplo ilustrado, estamos na presença do conjunto dos países (Portugal, Espanha, França, etc.), que designaremos por conjunto dos “x”, e do conjunto das cidades capitais (Lisboa, Madrid, Paris, etc.), que designaremos por conjunto dos “y”; podemos ligar um e só um elemento de um conjunto a um e só elemento do outro por meio do conceito “ser capital de”. Se aplicarmos o conceito – ou função, como Frege também lhe chama – à variável “Portugal”, do conjunto dos países, obteremos, como valor da função, a variável “Lisboa”, do conjunto das cidades. Poder-se-ia ser tentado a fazer equivaler “F”, na fórmula y = (F) x, a uma parte de “p”, na fórmula “S é p”. Nada seria, contudo, segundo Frege, mais errado. É que nesta última fórmula a cópula “é” constitui o elemento invariável do juízo; na verdade, esta fórmula do juízo é solidária de uma ontologia da substância. Ora, na fórmula y = (F)x, é “F” que constitui o elemento invariável. De facto, poderíamos representá-la de outra maneira: … (F) …
Bibliog.: BLANCHÉ, Robert, La Logique et Son Histoire, Paris, Armand Collin, 1970; FERRATER-MORA, José e LEBLANC, Hugues, Lógica Matemática, México, Fondo de Cultura Económica, 1955; FREGE, Gottlob, “Funktion und begriff”, in FREGE, Gottlob e PAZIG, Günther, Funktion Begriff, Bedeutung, Göttingen, Vandenhoeck und Ruprecht, 1994, pp. 18-39; KNEALE, William e KNEALE, Martha, The Development of Logic, Oxford, The Clarendon Press, 1962; PFÄNDER, Alexander, Lógica, 2.ª ed., Buenos Aires, Editora Espasa-Calpe, 1940.
Carlos Morujão