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 Contemporaneidade

Inicialmente moldada como sinónimo de coetaneidade, no contexto dos processos de transição cultural entre os sécs. xviii e xix, acabou por cristalizar-se como uma etiqueta periodológica assumida por diversas áreas do saber e da cultura, nas quais se inclui a teologia. Enquanto categoria histórica, pode ser pensada como noção peculiar da temporalidade. Com um dos seus momentos fundantes em Aristóteles, para quem o tempo se define pela sua relação com o movimento (um número entre um “antes” e um “depois” percebido pelo espírito), a reflexão sobre a temporalidade encontrou, na tradição cristã, tecida sobre uma consciência histórica linear e progressiva, um campo fértil de aprofundamento. Agostinho de Hipona considerava que se tratava da experiência de uma consciência balizada protológica e escatologicamente: fundada sobre a fé no mistério pascal de Cristo, a consciência cristã do tempo é simultaneamente anamnética e elpídica, sem que com essa ancoragem se dilua o carácter real do presente. A contemporaneidade poderia, por essa razão, ser teologicamente pensada como tempo radical e permanentemente aberto à realização teologal, tempo oportuno (kairós) para uma experiência religiosa qualificada, o instante decisivo que o anúncio do Reino sugere: “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo” (Mc 1, 15). Note-se que a palavra utilizada pelo evangelista é kairós, e não cronos. O tempo que se completa não é o da mera sucessão cronológica na sua relação com uma espacialidade exterior, mas o da sua transfiguração em interioridade adventícia, grávida de esperança. Uma teologia da esperança, alicerçada sobre a densa tensão que implica viver na consciência do “já” e do “ainda-não”, seria por essa razão a nota definitória da temporalidade cristãmente entendida, e condição de possibilidade da redenção de três potenciais desvios: (a) a neurótica nostalgia do paraíso perdido, (b) o presentismo imanentista e (c) o escatologismo típico de espiritualidades desencarnadas. Neste enquadramento entendida, a contemporaneidade pode ser assumida como uma categoria teológico-espiritual integradora de passado, presente e futuro, ou como realização de uma consciência redimida do tempo, alternativa não só à fatalidade cíclica do eterno retorno, mas também às anulações – do passado, do presente ou do futuro – amiúde decorrentes da acentuação exclusiva de uma das suas articulações. Como consciência interior mas real do tempo, pode ser entendida como participação, por antecipação, na eternidade de Deus.

 

Bibliog.: AGAMBEN, Giorgio, Che Cos’è un Dispositivo?, Roma, Nottetempo, 2006; CULLMANN, Oscar, Cristo y el Tiempo, Barcelona, Editorial Estela, 1968; FORTE, Bruno, “El tiempo, esplendor de Dios”, Teología, 83, 2004, pp. 7-17; METZ, Johann Baptist, “Gott und die Zeit. Theologie und Metaphysik an den Grenzen der Modernität”, Stimmen der Zeit, 125, 2000, pp. 147-159; MOUROUX, Jean, Le Mystère du Temps. Approche Théologique, Paris, Éditions Aubier-Montaigne, 1962; NANCY, Jean-Luc, “Le présent du temps”, Eidos, 24, 2016, pp. 15-32; TAMAYO, Juan José, Invitación a la Utopía. Estudio Histórico para Tiempos de Crisis, Madrid, Editorial Trotta, 2012; URÍBARRI BILBAO, Gabino, “Modulaciones teológicas del tiempo. Ensayo sobre las formas de duración según la teología”, Estudios Eclesiásticos, 318, 2006, pp. 535-566.

 

José Pedro Angélico

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