A equidade, da palavra latina aequitas, é desde Aristóteles a justiça do caso particular, a decisão de uma situação concreta pelo recurso aos juízos ex aequo et bono, que afastam a aplicação da norma legal, para evitar uma solução inadequada, intolerável, injusta.
A decisão de uma situação particular pelo recurso à equidade traduz-se na possibilidade de o juiz decidir de acordo com as circunstâncias específicas do caso e não através da aplicação direta e subsuntiva das regras legais.
Na ciência jurídica, a equidade assume o valor de justiça, aplicada, desde os jurisprudentes romanos, na resolução dos casos concretos, independentemente do direito positivado. O recurso à equidade corresponde à aplicação de uma justiça natural (aequitas naturalis) superior à justiça das normas legais. É nesta prossecução de justiça que se reconhece a jurisprudência como a arte do justo (ars boni et aequi). O direito realiza-se, desta forma, plenamente na equidade.
O Código Civil português determina no artigo 4.º que os tribunais só podem resolver segundo a equidade nas seguintes situações: i) quando haja disposição legal que o permita; ii) quando haja acordo das partes e a relação jurídica não seja indisponível, como por exemplo nas questões patrimoniais; e iii) quando as partes tenham previamente convencionado o recurso à equidade, nos termos aplicáveis às cláusulas compromissórias.
O Código Civil considera a equidade como uma fonte mediata de direito. Com o recurso à equidade não se pretende atribuir força vinculativa à decisão concreta, como no sistema anglo-saxónico, mas, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, “o que passa a ter força especial são as razões de conveniência, de oportunidade, principalmente de justiça concreta, em que a equidade se funda”. Os referidos autores acrescentam ainda que “o que fundamentalmente interessa é a ideia de que o julgador não está, nesses casos, subordinado aos critérios normativos fixados na lei” (LIMA e VARELA, 1987, 54-55).
Na Antiguidade, comparava-se o recurso à equidade com a utilização da régua lésbica, a régua utilizada pelos pedreiros da ilha de Lesbos. Ao contrário das regras normais, rígidas, a régua lésbica é uma régua maleável e moldável, permitindo a adaptação às faces irregulares, à especificidade ergonómica dos objetos.
Como a régua lésbica, também a equidade se adapta e molda às circunstâncias concretas, ao contrário da norma jurídica que apresenta uma característica rígida. Como refere Oliveira Ascensão, a equidade “está em condições de tomar em conta circunstâncias do caso que a regra despreza, como a força ou a fraqueza das partes, as incidências sobre o seu estado de fortuna, etc., para chegar a uma solução que se adapta melhor ao caso concreto – mesmo que se afaste da solução normal, estabelecida por lei” (ASCENSÃO, 1991, 211).
Através do recurso à equidade, pretende-se suplantar a justiça da lei de cariz abstrato e genérico e procurar uma justiça concreta e individualizada. Como refere Mário Bigotte Chorão, “pretende-se desse modo obter, afinal, uma esclarecida obediência à lei, antes conforme ao espírito que à letra, e prevenir as desumanidades e injustiças decorrentes de uma aplicação rigorista e literalista da norma. Evoca-se, a propósito, constantemente, o adágio summum ius, summa iniuria” (CHORÃO, 1993, 100).
Ao longo dos tempos, a equidade assumiu diversas designações e funções, como a epieikeia grega, trabalhado por Aristóteles, na Ética a Nicómaco, que funcionava como um corretivo da lei na busca do justo; a conceção escolástica de equidade – a aequitas canónica –, enquanto parte subjetiva da justiça; e a equity da tradição jurídica anglo-saxónica.
No direito canónico, a equidade é considerada como uma virtude cardeal e é entendida através do brocardo aequitas est iustitia dulcore misericordiae temperata. Com a equidade pretende-se evitar que a aplicação do direito escrito a um caso concreto resulte numa injustiça e interpretar o direito, não pela sua letra, mas pelo espírito do legislador, como defendido por S. Tomás de Aquino.
No pensamento escolástico, a equidade encontra-se relacionada com a prudência, aplicada na decisão de casos particulares que se afastam dos princípios comuns. A equidade leva à correção da lei, pelo recurso à justiça, ao direito natural e ao bem comum.
A equity anglo-saxónica surge a partir do séc. xiv, quando é permitido que os particulares que não obtivessem justiça através do sistema de common law pudessem recorrer ao rei para obter uma decisão baseada na especificidade do caso concreto e nos imperativos de consciência e de justiça natural (CHORÃO, 1993, 100).
A partir do séc. xix, e sob influência do positivismo legalista, que reduz o direito à lei escrita e valoriza a segurança jurídica decorrente da norma positivada, o recurso à equidade é alvo de grandes críticas. Para o positivismo, seria difícil conciliar o legalismo estrito com uma decisão do julgador baseada em critérios de justiça natural.
Na contemporaneidade, têm sido atribuídas à equidade diversas funções: a função dulcificadora da lei, que atenua os rigores da lei; a função resolutória ou decisória; a função flexibilizadora, que atende ao caso concreto; a função interpretativa-aplicadora, utilizada enquanto intérprete do direito; a função integradora de lacunas do sistema normativo; e a função corretiva da lei, que pretende evitar que a norma legal cause consequências intoleráveis quando aplicada a um caso concreto (CHORÃO, 1993, 101-104).
Bibliog.: Ascensão, José de Oliveira, O direito. Introdução e teoria geral. Uma perspectiva luso-brasileira, Coimbra, Almedina, 1991; Chorão, Mário Bigotte, Equidade, in Polis. Enciclopédia Verbo da sociedade e do Estado, vol. 2, Lisboa, Verbo, 1984, pp. 988-997; Id., Introdução ao Direito, O conceito de Direito, vol. i, Coimbra, Almedina, 1993; Justo, A. Santos, Introdução ao estudo do Direito, 11.ª ed., Lisboa, Petrony, 2020; Lima, Pires e VARELA, Antunes, Código Civil anotado, vol. i (artigos 1.º a 761.º), 4.ª ed. rev. e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1987; Neves, A. Castanheira, “Justiça e Direito”, Digesta, vol. 1, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, pp. 241-286; Pereira, Alexandre Dias, “Da Equidade (Fragmentos)”, Boletim da Faculdade de Direito: Universidade de Coimbra, vol. 80, 2004, pp. 347-402.
Pedro Caridade Freitas