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Frei Luís de Sousa

Obra maior de Almeida Garrett e da dramaturgia portuguesa, Frei Luís de Sousa (1844) é uma tragédia moderna em que conflituam valores humanos e religiosos, de matriz cristã. A ação, inspirada na história real de D. Manuel de Sousa Coutinho (mais tarde Fr. Luís de Sousa), encena o drama que se abate sobre uma família “honesta e temente a Deus” –  nas palavras do autor – quando a mulher é surpreendida pela notícia de que está vivo o primeiro marido, D. João de Portugal, desaparecido em Alcácer Quibir.

A exigência moral do cristianismo está no cerne do drama. Sendo o casamento católico indissolúvel, cria-se assim um impasse irresolúvel em que pai, mãe e filha perdem a honra e a felicidade; ficam privados do direito a serem uma família, também ele firmado com a bênção de Deus. Por seu lado, a religião impõe-se às personagens sob a forma inescapável da consciência moral: D. Madalena debate-se com a culpa angustiante de ter amado em pensamento D. Manuel ainda durante o primeiro casamento; e a verdade, mesmo devastadora, não lhes permite rasurar o regresso do “outro” ao seu antigo lar. A solução trágica passa necessariamente pela morte: simbólica para os esposos que abandonam o mundo tomando o hábito conventual; para o regressado D. João, porque um morto-vivo não tem lugar neste mundo; e morte física no caso da jovem inocente, Maria, cuja revolta eclode de forma patética no final do drama: “Que Deus é esse que está nesse altar e quer roubar o pai e a mãe a sua filha?”. A pergunta de Maria coloca-se também ao leitor cristão, em termos teológicos. Se a autoimolação pode resgatar os adultos crentes, como aceitar a “vontade” de um Deus que castiga cruelmente uma vítima sem culpa do “pecado” dos pais? Será este um Deus de Amor e de Justiça? A resposta, canónica mas perturbadora, chega pela voz do padre oficiante: “Meus irmãos, Deus aflige neste mundo àqueles que ama. A coroa de glória não se dá senão no Céu”. Resumem-se nesta sentença final os princípios axiológicos da resignação e da esperança; mas também ecoa um certo sentido, muito humano, de incompreensão perante os desígnios divinos. Projeta-se nela ainda a fé tão sincera quanto questionadora de Almeida Garrett.

 

Bibliog.: GARRETT, Almeida, Frei Luís de Sousa, introdução de Ofélia P. Monteiro, Porto, Livraria Civilização, 1987; MARTINS, J. Cândido, “Para uma sistematização didáctica das leituras interpretativas do Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett”, Revista Portuguesa de Humanidades, vol. 3, n.º 1-2, 1999, pp. 267-303; MONTEIRO, Ofélia Paiva, “Frei Luís de Sousa”, in Biblos. Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, vol. 2, Lisboa/São Paulo, 1997, pp. 690-694; MONTEIRO, Ofélia Paiva, “Deus, Natureza, Homem no universo garrettiano”, in MONTEIRO, O. e SANTANA, M. H. (coord.), Almeida Garrett: um Romântico, um Moderno, vol. i, Lisboa, IN-CM, 2003, pp. 109-144.

 

Maria Helena Santana

 

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