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Liceu

A utilização da palavra “liceu” associada a um estabelecimento de ensino tem como fonte de inspiração o nome da escola fundada por Aristóteles em Atenas, junto a um espaço dedicado ao culto do deus Apolo Liceu. O prestígio dessa instituição educativa da Antiguidade conduziu à adoção do nome “liceu” aquando da criação de novos estabelecimentos públicos do ensino secundário na França imperial, pela lei de 1 de maio de 1802. Os liceus desempenham na história da educação francesa entre os sécs. xix e xx um lugar central, aparecendo como “l’apogée d’un système” (MAYEUR, 1981, 453). Esta situação é justificada, entre outras condições, pelo estatuto privilegiado que lhes é atribuído pela legislação napoleónica, pelo facto de terem como público uma minoria de jovens destinados ao ensino superior e às profissões liberais e pela ambição totalizante do seu programa de estudos. Foi isso que justificou o epíteto “le tout-puissant empire du milieu”, dirigido em 1939 ao ensino liceal francês pelo historiador Lucien Febvre (PROST, 1970, 21). Em Portugal, os liceus foram criados por via de um diploma datado de 17 de novembro de 1836, da responsabilidade de Passos Manuel, em substituição das aulas régias pombalinas. A experiência francesa foi a principal fonte de inspiração. No entanto, a sua instalação por todo o país foi lenta e só a partir da reforma de 1894-1895 de Jaime Moniz é que se assumiram como instituições orgânicas, vendo reforçado o seu prestígio. Ao longo de muitas décadas, a experiência como estudante do ensino liceal marcou gerações e gerações de jovens em transição para a idade adulta. As memórias idealizadas desses tempos de vivências intensas foram potenciadas pela imponência dos edifícios, pelo prestígio de reitores e professores, pelas cumplicidades entre pares ou pela centralidade dos liceus nas sociabilidades locais. De acordo com Sarah Adamopoulos, quando reflete, em tempos de centenário, sobre as memórias daqueles que estudaram no mítico Camões, um liceu “é bastante mais do que um edifício […]. É na verdade um lugar mental complexo […]. Herança coletiva feita de realizações, códigos, valores, costumes, crenças” (ADAMOPOULOS, 2009, 57), elementos estes que são incorporados e transmitidos pela instituição, contribuindo, dessa forma, tanto para a construção de uma identidade muito própria como para a sua sublimação como lugar de memória e como espaço educativo impregnado de uma certa sacralidade.

 

Bibliog.: Adamopoulos, Sarah, “Introdução: O que é um liceu”, in Adamopoulos, Sarah e Vasconcellos, José Luís Falcão de, Liceu Camões. 100 anos. 100 testemunhos, Lisboa, Quimera Editores, 2009, pp. 57-59; Adão, Áurea, A criação e instalação dos primeiros liceus portugueses. Organização administrativa e pedagógica (1836-1860). Contribuição monográfica, Oeiras, Fundação Calouste Gulbenkian – Instituto Gulbenkian de Ciência, 1982; BEATO, Carlos e PINTASSILGO, Joaquim, “A influência francesa na construção do ensino liceal em Portugal. O caso das disciplinas escolares de ciências (1836-1875)”, in BARROS, Fernanda e CARVALHO, Carlos Henrique de (orgs.), Inspirações (in)acabadas e trajetórias imperfeitas dos liceus na Euroamérica. Séc. XIX-XX, Jundiaí-SP, Paco Editorial, 2020, pp. 75-102; BRUN, Jean, Aristote et le Lycée, Paris, Presses Universitaires de France, 1961; MAYEUR, Françoise, “De la Révolution à l’école républicaine”, in PARIAS, Louis-Henri (dir.), Histoire Générale de l’enseignement et de l’éducation en France, t. iii, Paris, Nouvelle Librairie de France, 1981; NÓVOA, António et al., “O todo-poderoso império do meio”, in NÓVOA, António e Santa-Clara, Ana Teresa (coord.), Liceus de Portugal. Histórias, arquivos, memórias, Porto, Edições ASA, 2003, pp. 17-73; Ó, Jorge Ramos do, Ensino liceal (1836-1975), Lisboa, Secretaria-Geral do Ministério da Educação, 2009; PROST, Antoine, Histoire de l’enseignement en France. 1800-1967, Paris, Librairie Armand Colin, 1970.

Joaquim Pintassilgo

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