Nascido em 1864 em Bilbau, no País Basco, Miguel de Unamuno y Jugo estudará na Universidade Central de Madrid, onde se licenciará em Filosofia e Letras em 1883, obtendo o doutoramento no ano seguinte. A sua carreira docente universitária decorrerá principalmente na Universidade de Salamanca, onde exercerá funções de professor catedrático de língua grega a partir de 1891, chegando a ser reitor da academia salmantina.
Como escritor multifacetado – poeta, romancista, dramaturgo, autor de ensaios, de livros de viagens e de artigos jornalísticos, bem como de textos autobiográficos –, Unamuno constitui um dos nomes fundamentais da Geração de 98, um movimento cultural e literário preocupado com a regeneração da vida espanhola após a perda das colónias de Cuba, Porto Rico e Filipinas, precisamente em 1898. Contudo, ao lado da questão nacional e patriótica, a obra de Unamuno centrar-se-á igualmente em assuntos religiosos e espirituais.
Sendo Unamuno o criador do conceito de intra-história, i.e., a vida real e concreta das pessoas que flui por entre os grandes acontecimentos que as cronologias da História registam, podemos afirmar que o problema da fé e do sentido da existência foi vivido, sentido e pensado radicalmente na própria intra-história pessoal do autor. Com efeito, tendo sido criado num ambiente católico, Unamuno passará por uma forte crise espiritual em 1897, iniciando-se, a partir daí, um tempo de abismo e agonia, uma experiência que podemos conhecer através do seu Diario Íntimo, escrito entre 1889 e 1902, mas que só viu a luz postumamente, em 1970.
Homem contraditório, o seu tratamento das questões espirituais configura também um labirinto de paradoxos: em primeiro lugar – e em posição predominante –, surge o enigma da morte, que, para Unamuno, é a grande questão que se coloca a cada ser humano. O drama da finitude do indivíduo inspirar-lhe-á ensaios como a obra fundamental Del Sentimento Trágico de la Vida, de 1913. Perante a morte, duas emoções antitéticas surgem: por um lado, o desespero – o que leva Unamuno a admirar figuras como o português Antero de Quental – e, por outro, a necessidade absoluta de acreditar em Deus e na vida eterna, mesmo que a razão não nos ajude nesse processo, colocando-nos problemas insolúveis. Crer constitui, pois, uma luta, ideia que está presente no seu outro grande ensaio sobre estes temas espirituais, La Agonía del Cristianismo, um trabalho publicado em francês em 1925 e em castelhano somente em 1931, sendo que, neste texto, o termo “agonia” surge no seu sentido etimológico de “pugna”, “combate”.
Contudo, as meditações religiosas de Miguel de Unamuno não se materializam apenas nestes trabalhos ensaísticos; surgem-nos também na sua poesia, em composições célebres, como El Cristo de Velázquez, de 1920. Nesta peça lírica, a figura de Jesus funciona como um sereno raio de luz, um reflexo lunar do clarão de Deus, enfim, alguém que apazigua o drama espiritual do autor. Outras obras líricas aparecem também marcadas pela problemática religiosa, como é o caso de Rosario de Sonetos Líricos, de 1911.
De igual modo, na sua obra narrativa encontramos com frequência reflexões de tipo metafísico, como acontece, e.g., em Niebla, um romance extremamente original de 1914, obra que Unamuno, com a sua criatividade polémica, insere dentro de um novo subgénero narrativo por si inventado, a nivola. Niebla constitui um texto que, pela sua ousadia, se pode relacionar com as experiências vanguardistas que, em Itália, Pirandello levava a cabo por esses anos, bem como com o espírito da portuguesa Geração d’Orpheu. O protagonista desta narrativa, Augusto Pérez, procura um sentido para a sua vida, parecendo-lhe que uma relação afetiva e um casamento, após a morte da sua mãe, poderão ser a solução. Contudo, ele acabará por descobrir que é, afinal, mera personagem de um romance que está a ser escrito por Miguel de Unamuno, indo então visitar o autor da obra, o escritor que o está a engendrar, para lhe pedir contas do seu destino. Nesta relação entre a personagem e o romancista, encontramos uma metáfora dos diálogos problemáticos entre o ser humano e Deus, seu criador. Em Niebla impressiona, outrossim, a energia e preponderância das figuras femininas, um rasgo próprio do trabalho literário de Unamuno, algo que se reflete noutras obras, como, e.g., La Tía Tula, de 1921. De facto, a própria mulher do escritor, Concepción Lizárraga, assumirá uma grande importância para a sua estabilidade humana e espiritual. Com ela, terá nove filhos.
Contudo, no âmbito da sua narrativa, o trabalho onde porventura mais se refletem questões espirituais é a novela San Manuel Bueno, Mártir, de 1931. Esta obra apresenta-nos a história de um sacerdote que, não conseguindo acreditar e vivendo num profundo desespero, exterioriza o seu desejo de fé no seu entorno social, consolando os outros e dando-lhes esperança. Encontramos, portanto, materializada neste livro a grande contradição religiosa de Unamuno: por um lado, o seu desejo de acreditar, o seu querer ter fé, que é aquilo que o P.e Manuel Bueno projeta no seu ambiente, tornando felizes os seus próximos, e, por outro, a impossibilidade racional de ter a certeza de Deus e o desespero que isso nele provoca. Talvez seja nesta novela que melhor se sintetiza a grande questão espiritual do autor: o martírio de Manuel Bueno consiste em irradiar no seu exterior a beleza da fé e, ao mesmo tempo, sofrer, no seu íntimo, a angústia de não saber se tal fé é verdadeira, se ela corresponde, de facto, a uma realidade transcendente.
Unamuno manteve uma intensa relação com Portugal e com a cultura lusa, relacionando-se com autores como Teixeira de Pascoaes e Manuel Laranjeira e admirando profundamente poetas e romancistas portugueses. Em parte, esse interesse por Portugal relacionava-se também com a vivência espiritual que se reflete nas letras lusas. Esta fraternidade ibérica dará lugar, entre outros textos, à obra Por Tierras de Portugal y España, um livro de viagens aparecido em 1911.
Unamuno faleceu a 31 de dezembro de 1936, quando o seu país, que tanto amara, mergulhava no inferno espiritual de uma guerra civil.
Obras de Miguel de Unamuno: Por Tierras de Portugal y España (1911); Rosario de Sonetos Líricos (1911); Del Sentimento Trágico de la Vida (1913); Niebla (1914); El Cristo de Velázquez (1920); La Tía Tula (1921); La Agonía del Cristianismo (1925); San Manuel Bueno, Mártir (1931); Diario Íntimo (1970).
Bibliog.: ARROM, Fra Lluís, “Miguel de Unamuno”, Recerca, n.º 74, pp. 1-20, supl. de Catalunya Franciscana, ano 55, n.º 262, set.-dez., 2019; GARRIDO ARDILA, Juan Antonio (ed.), El Unamuno Eterno, Barcelona, Anthropos, 2015; GONZÁLEZ EGIDO, Luciano, Agonizar en Salamanca: Unamuno, Julio-Diciembre de 1936, Barcelona, Tusquets Editores, 2006; JUARISTI LINACERO, Jon, Miguel de Unamuno, Madrid, Taurus, 2012; MOELLER, Charles, Literatura del Siglo XX y Cristianismo, vol. iv, Madrid, Gredos, 1960; SALCEDO, Emilio, Vida de D. Miguel, 2.ª ed., Salamanca, Anaya, 1971; UNAMUNO, Miguel de, Obras Completas, ed. de Manuel García Blanco, 9 vols., Madrid, Escelicer, 1966-1971.
Ángel Marcos de Dios
Gabriel Magalhães